sexta-feira, 2 de julho de 2010

Fracasso


O fracasso ronda a cidade. Ombros caídos, ruas vazias, rostos tristes. Nas chuteiras a expectativa concentrada. Tudo terminou em frustração; a trilha sonora é um silêncio imposto, severo.


Uma euforia, uma energia guardada não sei onde explodia antes e durante a partida. Hora e meia depois, o fim. Aos poucos ouve-se o barulho da vida retornando: as cornetas cessaram, os ônibus voltaram a circular, as pessoas estão voltando às suas casas, lentas, melancólicas. No ar o cheiro da derrota, a pólvora queimada.

Os grupos de torcedores, moléculas cujos átomos eram atraídos pela energia intensa mas fugaz do anseio de vitória, fragmentam-se em pessoas solitárias; a orgia da torcida, a festa, o sentimento de comunidade, de união é fulminado pelo apito do fim de jogo.

Éramos nós há pouco?

Agora seguimos sós?

Sempre estivemos sós.

O álcool, nos bares, mascara a derrota, perpetua a euforia; mas depois do porre o sentimento de fracasso virá.

Que fracasso é esse? A quem ele pertence? Isso é o fracasso?

Não! Isso é só um jogo de bola. O fracasso antecede a copa; o fracasso atravessa as copas, as comemorações de ano novo, os jogos, as festas. A derrota já nos atingiu faz tempo. Na verdade, nunca conhecemos a vitória.

Estamos separados: a união não existe - é pura ilusão. Isso é fracasso.

Paga-se para estudar. Paga-se para ser atendido num hospital. E quem não paga? Submete-se, espera, morre.

Abaixa a cabeça para ter um emprego de merda e poder com o pouco que ganha pagar comida, escola, médico, teto, uma TV pra ver jogo de bola. Tão nos devendo isso tudo: cadê o cobrador?

Derrotados. Fudidos. Medrosos. Não foi um gol que nos derrotou. Os fracassados tem imunidade ao fracasso, assim como os mortos são imunes à morte.

Que as pessoas chorem. Mas que chorem pelos que morrem sem atendimento, pelos que não conseguem ir à escola, pelos que deixam o campo (não o de futebol, mas a terra seca, árida, sem torcida, sem propagandas nas bordas) para tentar a vida na cidade grande, num barraco. Isso é fracasso. O resto é circo.

10 comentários:

  1. Que lindo, Bernardo. Não chorei com o jogo, mas agora... gol de placa!
    Bjs,
    Mônica
    P.S.Não escrevi no anterior porque não consegui elaborar o que quero dizer.

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  2. Esse foi meu grito, meu choro. Que derrota, que fracasso é esse?! As pessoas abatidas por causa de um jogo de bola. Me deu vontade de gritar, de sacudir os foliões chorosos, de lhes tascar nas caras de bunda narizes de palhaço...

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  3. Mandou bem, Bernardo! Gosto de acompanhar os jogos da Copa, mas é só futebol. Queria ver os brasileiros irem às ruas pra brigar por seus direitos, como os argentinos. O pior é que escolhem um ou dois jogadores como vilão, e ninguém fala dos dirigentes de futebol, que fazem o que querem, ganham dinheiro ilicitamente e tudo fica por isso mesmo. Por que não vão às ruas cobrar justiça dessa gente?

    Um abraço!

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  4. Exatamente! Não pense que não gosto de assistir a um bom jogo e de bater uma bola com amigos (embora não faça isso há muito); gosto de futebol, faz parte da nossa cultura, desde de que era um moleque brincava de jogar bola.
    O problema é que sinto uma puta distância entre todos nós, um abismo mesmo, e essa euforia da torcida, essa pseudo-união me irritam, justamente porque não somos capazes de gritar por coisas sérias, de sofrer, de sentir compaixão, de vibrar e ir às ruas por causa das injustiças.
    Esse foi um texto de raiva! A tristeza dos torcedores me irritou. Escrevi numa tacada, como se desse um soco em alguém, irado.
    Mas devo me lembrar de que sou também um palhaço, não posso negar.

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  5. Ouso discordar em alguns pontos.

    Concordo que o brasileiro seja um povo um tanto pacato, cordato ao ponto de às vezes irritar.

    Mas é, na sua essência, um povo ALEGRE, bom e trabalhador. Na verdade, cada vez maais tenho percebido que a questão parece ser muito mais cultural: de incutir no imaginário coletivo a idéia cada vez mais forte da lei Gerson de "levar vantagem em tudo", de que ser educado ou gentil seria coisa de "otário". Reflexo talvez da escancarada impunidade de governantes/"formadores de opinião" corruptos e criminosos a que assistimos perplexos...

    Sei que corro o risco de ser taxada de idealista, mas, sem falar em investimentos que uma modalidade esportiva vitoriosa tende a atrair; vejo no esporte em geral - não só no futebol - uma possibilidade de mudar um pouco essa mentalidade do "vale tudo" pelo ESPÍRITO ESPORTIVO (fair play) que significa muito mais do que o simples respeitar das regras; engloba as noções de amizade, de respeito pelo outro, e do espírito desportivo, representa um modo de pensar, e não simplesmente um comportamento.

    Quem sabe se, imbuído desse sentimento, passe a cobrar NAS URNAS, tal como faz com o técnico que acha ruim, um dirigente à altura de suas necessidades????

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  6. Seja bem-vinda! E discorde à vontade!
    Mas nesse caso acho que há mais concordância que discordância.

    Como disse acima, não tenho nada contra esportes; acho, da mesma forma que vc, que o esporte traz muitos benefícios.
    Não tenho nada contra esportes (pelo contrário, tenho muito a favor); minha crítica é quanto à fragmentação e à passividade, sobretudo política.

    E é aí que nos afastamos: não acho que esse sentimento de união, de torcida que se manifesta qdo se trata de futebol, que exige, que grita, vá se dirigir à urnas ou às praças, para tratar de política.
    Eu gostaria de acreditar no que vc disse, mas não consigo. Se vc sabe que corre o risco de ser chamada de idealista, podem me tachar de pessimista.

    Penso que tá todo mundo muito afastado, poucos ainda têm fé na política. E quanto mais leio, mais percebo que isso não é um fenômeno nacional, mas global. Os Estados estão enfraquecidos, uma vez que o poder de fato hoje é econômico. Como diz Z. Bauman, "os problemas são globais e as soluções meramente locais".

    Meu texto é de raiva, uma raiva que decorre da impotência. Eu sou um palhaço porque também sou apenas um átomo, também estou afastado, fragmentado, e fazendo muito pouco ou nada para mudar...

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  7. Pra complementar:

    Só acho que não devamos ser tão radicais com a situação toda.

    A meu ver é legítimo sentimento de UNIÃO entre os torcedores a que vc se refere, pois o esporte tem o DOM de aproximar as pessoas por um ideal em comum, ainda que de forma efêmera.

    Por outro lado, é importante lembrar que nesse país, quando se trata de política, infelizmente, não há qualquer interesse por parte da classe dominante que faz de um tudo para perpetuar-se no poder, de que exista essa mesma convergência de opinião pelo bem comum

    Bom, cá estamos nós, pequenos átomos, dando nossa modesta contribuição promovendo o debate! Passamos a bola...

    Afinal, parafraseando o poeta:

    "DAS UTOPIAS
    Se as coisas são inatingíveis... ora!
    Não é motivo para não querê-las...
    Que tristes os caminhos, se não fora
    A presença distante das estrelas!"

    sds

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  8. Como disse Saramago: "Não sou pessimista. O mundo é que é péssimo."

    Você já viu "linha de passe", filme do Walter Salles? Vale a pena e tem tudo a ver com a nossa conversa.

    De átomo em átomo, a gente acaba chegando a uma molécula.

    Adorei o poema!

    Beijos

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  9. Meu pai diz que é por isso que ele sempre torce contra o Brasil na Copa...

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  10. Pois é, parece que a gente só se sente unido nessas horas. No mais, seguimos distantes, isolados. Isso me incomoda. Não nos unimos para tratar de coisas sérias. Seu pai deve sentir isso também...

    Abraços!

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