sexta-feira, 1 de julho de 2011

Meia-noite em Paris (Woody Allen, 2011)






Se o pessoal do cinema tivesse noção de seu real tamanho perto dos artistas das primeiras décadas do século passado, os filmes seriam diferentes. Não quero levantar a bandeira do passado - embora eu seja um tanto nostálgico -, porque isso é de certo modo negar o presente. A verdade é que tanto no passado quanto no presente há filmes ruins e bons. E o nariz nova-iorquino comprova o valor do agora.


Meia-noite em Paris é uma bela fábula contemporânea, com direito a ‘carruagem’ à meia-noite levando o nosso herói ao fantástico mundo dos seus ídolos. Um conto sobre a nostalgia que sentimos daquilo que não vivemos. Na verdade, nostalgia não é o termo mais adequado, porque se trata de uma visita sem dor, e nostalgia pressupõe sofrimento (álgos - algia - é dor e nóstos, retorno). Odisseu padece para voltar à sua terra. No filme, a personagem visita o passado dos ídolos, um passado que conhece pelo que contaram, um passado alheio, narrado.


Allen faz prosa, como ele mesmo já disse. Não há aquela poesia iconográfica; sua narrativa é simples - Hemingway diria honesta. Não extravasa na forma; sua atenção concentra-se no conteúdo, principalmente nos diálogos. Exagerando, afirmo até que é possível ouvir muitos filmes dele, porque o núcleo não está nas imagens. Não é qualquer cineasta que admite essa apreciação radialista. Que coisa mais antiga! Parece até um retorno à primeira metade do século XX.

E nesse último filme, ele foi bastante criativo, não só nos encontros das personagens, mas no desenvolvimento da trama. Tudo bem, a maioria das personagens W. Allen pegou emprestada e a ideia de se encontrar com os ídolos - Dante o diga - não é tão original (embora a originalidade, como diria Paulo Machado, seja um bem supervalorizado). Mas dar um passo adiante e perceber que a insatisfação que atinge o nariz-protagonista também aflige aqueles que vivem no que ele julga o melhor dos mundos é uma ótima sacada. Ainda mais da maneira como foi elaborada.

Além disso, há o romance que o protagonista escreve, que se interliga à narrativa do filme. Um homem que vive do passado. Os ídolos leem o romance do roteirista e ainda o ajudam a descobrir, por meio de um personagem seu, o que ele mesmo não havia percebido na realidade. Uma visão da ficção ou dos que já não existem que é menos fantasiosa que as pessoas reais.

Porque no fim das contas há uma inversão entre ilusão e realidade: as pessoas que conviviam com o roteirista frustrado, no presente, revelam-se simulacros e os seres fabulosos, do passado, mostram-se verdadeiros.

Uma declaração de amor ao passado cantada - por livre escolha - no presente.

Meia-noite. Ouço buzinas lá fora. Esperam-me; nem tive tempo de falar de Paris. Pra não sair sem dizer nada, digo apenas que Paris é uma festa.

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PS. Se eu fosse o roteirista, não seguiria os conselhos literários de certa senhora.
PS1. O passado pode ser um lugar perigoso demais! Como viver sem os remédios que temos hoje?!
PS2. Os narizes também fazem bons filmes, como este último do W. Allen. V. https://ecosprosaicos.blogspot.com/search/label/eNe).

5 comentários:

  1. Visitar os ídolos e os sonhos, lembrar de como deveria ser o presente, mudar tudo... sequência interessante! Filme interessante!

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  2. Interessante mesmo, Eliana. Outro filme dele que tem a ver com esse e do qual gostei muito é 'Rosa Púrpura do Cairo'.

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  3. Gostei bastante da sua resenha, especialmente da parte em que você comenta a inversão da realidade. Foi a mesma coisa que pensei depois do filme.

    Se bem que essa sensação de viver em uma realidade cheia de pessoas simulacros faz parte desse passadismo (como causa ou consequência). Por certo, qualquer realidade alternativa que se escolha para viver estaria cheia de pessoas assim também.

    É isso que eu gosto nos filmes do WA, essa mensagem de resignação corajosa. Não sei se é o melhor termo para explicar, mas é isso aí: a vida é insatisfatória, agarre-se no que você alcança e tire disso o que você puder.

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  4. De fato, qualquer realidade contém simulacros. Até o que chamamos de realidade muitas vezes é discurso. Mas no filme ocorre realmente um inversão, pelo menos numa análise mais superficial.

    Legal a expressão que vc usou, Gabriel: resignação corajosa. O Allen tem isso, sim. As personagens sofrem (crise) e a solução, muitas vezes, passa pela aceitação individual e interna. Ele também defende a redenção pela arte - um caminho individual, mais uma vez. O mundo é isso aí e é difícil se sentir satisfeito, mas a melhor maneira (talvez a única) de lidar com isso é se entregar a arte.

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  5. Texto ótimo de ler e PS1 genial!
    Bjs
    Mônica

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