quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Abraços partidos



Assisti recentemente ao último filme do Almodóvar – Abraços Partidos – e o que mais me chamou atenção foram os heterônimos, as personagens criadas pelas personagens.

Li algumas críticas do filme, mas até então não encontrei nenhuma que tratasse dessa duplicação das personagens; as que li tratam basicamente das referências, da metalinguagem e da cinefilia, características sem dúvida marcantes no filme.

Como não pretendo revelar a trama de um filme que ainda está no cinema, limitar-me-ei a advertir sobre essa peculiaridade. A narrativa revela três personagens que se duplicam, tornando-se, assim, seis. O mais óbvio é Harry C., pseudônimo do diretor Mateo; mas há ainda duas outras personagens que se atribuem heterônimos a fim de realizar certas façanhas ou escondê-las.

Os heterônimos, no entanto, surgem, são retomados ou se intensificam numa situação limite: a morte ou risco de morte de alguém próximo. Isso me parece bastante interessante, na medida em que a morte de outra pessoa (ou sua iminência) leva o personagem assumir outro nome, outra identidade.

A estória se desenvolve a partir de uma morte, que faz um heterônimo nascer e outro morrer: um pseudônimo é criado para perscrutar e revelar o passado do morto e outro praticamente se extingue, como se essa morte o tivesse libertado, ao lhe servir de ponto de partida para uma catártica volta ao passado.

Talvez os "abraços partidos" refiram-se mais à relação dos personagens com os seus heterônimos que às relações dos personagens entre si.

Mais não falo, agora. Não quero estragar surpresas.