terça-feira, 31 de março de 2020

Amnésia/Memento (Christopher Nolan, 2000) e Uma mente Brilhante (Ron Howard, 2001): o espectador na pele do personagem

Além da originalidade dos roteiros, em especial o de Memento/Amnésia (idas e vindas na narrativa que exigem atenção), o espectador é colocado na condição do protagonista, na pele dele, e pode demorar a se dar conta disso.

Não há uma câmera na nuca do personagem principal; ele até pode narrar alguns trechos, mas não é uma narrativa em primeira pessoa comum. É como se você visse, vivesse e percebesse o mundo através dele, na mesma condição peculiar que o marca - nos longas, uma condição mental distinta.

Para evitar spoilers, digo apenas que, em Memento, o protagonista tem uma espécie de amnésia em que não consegue reter as memórias recentes e o roteiro foi construído em cima dessa condição, colocando-nos como o personagem, meio que perdidos entre um passado distante que é lembrado, memórias mais recentes que se esvaem e confusão sobre as outras personagens e os fatos, além de uma narrativa linear, em preto e branco, contando uma história paralela e complementar, que se mistura à vida do protagonista.

Já em Uma Mente Brilhante, fica complicado contar alguma coisa sem revelar a trama e certas surpresas importantes para a narrativa do longa. Sem perceber, o espectador é colocado na pele do protagonista, e o roteiro é incrível, embora menos chocante que o de Memento, que insiste na inversão em vários sentidos.

Vale a pena conferir os dois longas, que tiveram sucesso de público e de crítica.

O Irlandês (M. Scorsese, 2019): narrativas e tempo

Há muitas maneiras de contar uma história. A mais comum é a linear, começo, meio e fim, “the end”. Mas há filmes que fogem dos modos mais fáceis de narrar, brincam com o tempo, e contam, de forma original, os fatos, sem seguir a ordem cronológica: O Irlandês é um deles.

No mais recente longa de M. Scorsese, o espectador, inicialmente, é levado, num plano sequência interessante, até o narrador, já idoso e cheio de lembranças, que vai contar sua vida, como chegou até ali. É aí que a narrativa dá um primeiro pulo ao passado (como se voltasse ao “meio da história”), destacando uma viagem de carro de dois casais para um casamento.

E, ao falar dessa viagem ao casamento que é revisitada durante todo o filme, o narrador fala sobre um passado mais distante, explicando como ele se envolveu com as pessoas que mudaram sua vida, inclusive (e principalmente) do cara que está viajando com ele para o tal casório da filha de um dos personagens da trama.

O mais interessante é que o filme começa no presente (idoso narrador que se encontra numa espécie de casa de repouso), volta à viagem dos casais, regride mais no tempo, falando das origens, e vai intercalando, às vezes voltando ao presente, outras tratando do “meio” (viagem ao casamento) e também narrando como se deu seu envolvimento com certas pessoas e atividades - tudo isso num roteiro incrível, que, lá na frente, mostra o que houve de relevante no trajeto até a celebração do matrimônio.

O senhor, “ex-pintor de paredes”, faz vários flashbacks e flashforwards, indo, vindo, voltando e adiantando, até fechar a história, de modo muito bem construído, encaixando-se perfeitamente.

Outro filme que merece destaque na manipulação do tempo é Pulp Fiction (Q. Tarantino, 1994), em que a primeira cena é retomada no final, depois de algumas ramificações envolvendo núcleos de personagens diferentes, mas que se interligam de alguma forma. Obra-prima que ganhou o Oscar de melhor roteiro original. Ficam as indicações dos longas, que além da originalidade narrativa, são filmes incríveis.