quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Capacho vazio

Hoje, desde o momento em que acordei, já abri a porta de saída do apartamento umas quatro vezes. Não recebi visitas nem as esperava e a campainha tampouco soou. Na verdade, abri a porta para constatar uma ausência: o capacho vazio.

Ontem, 31 de agosto de 2010, quando eu saía para o trabalho, minha avó me mostrou o jornal e disse: "é o último; vou guardá-lo".

O capacho está vazio e assim continuará; mas nós, por habito, esperamos (em vão) pela chegada do JB. Creio que outras pessoas também estejam sentindo essa carência. O rapaz que entregava o jornal e os homens da gráfica também devem estar passando por algo semelhante; talvez a falta lhes seja até maior, uma vez que o jornal significava emprego para eles.

Como já havia falado sobre as barcas no texto "o furto", repito aqui: não sou um saudosista inveterado, nem um casmurro fechado às novidades: meu apego não é ao passado, mas ao que é melhor.

Até ontem eu conseguia ler o JB em qualquer lugar - na praia, na praça, no ônibus... -; hoje, para tanto, preciso de um computador portátil ligado à internet. O papel, essa invenção arcaica, tem um pacto com a liberdade. No entanto, as telas, cada vez mais avançadas - e é preciso sempre evoluir, criar novos produtos -, estão mais valorizadas.

Às vezes é imprescindível dizer o óbvio, pois parece que não enxergamos o que está claro demais, como se sofrêssemos de uma "treva branca": o computador, essa máquina que surgiu para auxilar o homem no trabalho, tornou-se o indispensável para a realização de muitas atividades de boa parte das pessoas. É nele que trabalhamos, guardamos nossas fotos, vemos filmes, comunicamo-nos com parentes e amigos, discutimos, lemos jornais, encontramos "perfis" - egos virtuais - nas redes sociais etc.

Isso afeta as fronteiras entre o que é trabalho e o que não é. No trabalho, posso enviar e-mails para amigos e em casa executar alguma tarefa profissional. Contudo, as últimas notícias referentes ao avanço tecnológico parecem demonstrar que essa "liberdade" de trafegar no mundo virtual está com os dias contados, visto que uma grande empresa está desenvolvendo um sistema que controla o que o usuário está fazendo no seu PC; ou seja, daqui a algum tempo, é possível que o seu chefe saiba que, em vez de você estar trabalhando no projeto, está lendo o jornal ou analisando sua conta corrente.

O capacho está vazio e as telas, cheias. Quem sabe se amanhã os defensores do progresso não sentirão falta do jornal de papel?


Link para a matéria indicada pelo Rafael (Acenos do Abismo):


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