quinta-feira, 19 de setembro de 2019

Rastros de Resistência: Histórias de Luta e Liberdade do Povo Negro, de Ale Santos (@savagefiction)

Aguardo ansiosamente a chegada dos meus exemplares autografados do livro “Rastros de Resistência: Histórias de Luta e Liberdade do Povo Negro", do Ale Santos (@savagefiction). Sim, exemplares no plural, pois apoiei o projeto (kickante/pandabooks) e vou receber mais de um exemplar, e com autógrafo do autor! Acompanho há anos o incrível trabalho dele no Twitter, onde o autor publica sequências maravilhosas sobre História(s). Agora virou livro!

"Foram necessários 276 caracteres para que o autor de ficção científica Ale Santos, morador de Guaratinguetá (SP), saísse do anonimato e angariasse uma multidão seguidores no Twitter.


Quando ele escreveu uma thread (sequência de mensagens) sobre o Holocausto no Congo promovido pelo rei belga Leopoldo II (estima-se que tenham sido 10 milhões de mortos entre o final do século 19 e o início do 20), ganhou visibilidade por trazer à tona um fato histórico desconhecido por grande parte das pessoas. Só o primeiro tuíte teve 1 milhão de visualizações. 
Ele repetiu a estratégia de divulgação para outras tantas narrativas que haviam sido apagadas, crimes que foram acobertados e conquistas de heróis e heroínas esquecidos pela historiografia oficial. O trabalho de pesquisa rendeu a Santos (ou @savagefiction) espaço como colunista em diversos portais e a oportunidade de lançar um livro, neste semestre, detalhando algumas dessas narrativas.”[1]

Vale muito a pena acompanhar o trabalho do Ale Santos nas redes sociais, na mídia, em livros - onde quer que ele apareça! Lúcido, consciente, objetivo, original, realista (a lista de adjetivos é longa...), o escritor diz o que tem que dizer, resgatando histórias e personagens com "sangue retinto e pisado/ atrás do herói emoldurado".

Seguindo na bela poesia do samba-enredo de 2019 da G.R.E.S Estação Primeira de Mangueira, vejo no trabalho do Ale Santos os versos:

"Brasil, meu nego
Deixa eu te contar
A história que a história não conta
O avesso do mesmo lugar
Na luta é que a gente se encontra".

E nas palavras do próprio autor:

Ser escritor negro é um ato político no Brasil, porque a gente acaba provocando discussões e desconstruindo estereótipos que são constantemente reforçados e atualizados há 400 anos.”[2]

Esse texto é só uma pequena homenagem a esse grande escritor brasileiro. Para conhecê-lo, sugiro que vocês sigam e leiam o Ale Santos, e deixem que as palavras dele contem tudo que ele é e representa.

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Notas e referências:








terça-feira, 17 de setembro de 2019

Segurança e igualdade

Segurança pública: urgente!
Não é justo que só alguns
tenham vigilância permanente.

Por uma questão de igualdade:
precisamos espalhar UPPs* 
por toda cidade: 
nos shoppings, condomínios,
bairros do asfalto,
caveirões circulando,
prontos pro assalto.

As classes média e rica -
tão sacrificadas(?) por impostos -
também merecem bem perto
a mesma polícia a postos.

Que nas ricas coberturas também
pouse o grande pássaro de metal,
ostentando sua fúria letal.

Que a polícia apure todos
os crimes e irregularidades:
dos deuses dos tribunais
aos patrões vis e covardes.

É urgente vestir de farda o cristo
e torná-lo monumento panóptico,
além de turístico,
com câmeras - mil olhos -
a nos vigiar e a revelar
todo medo místico.

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* Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) era um projeto da Secretaria Estadual de Segurança do Rio de Janeiro que pretendia instituir polícias comunitárias em favelas. Acerca do tema, indico o livro da Marielle Franco: "UPP: A redução da favela a três letras", de 2018. (https://www.travessa.com.br/upp-a-reducao-da-favela-a-tres-letras-uma-analise-da-politica-de-seguranca-publica-do-estado-do-rio-de-janeiro/artigo/f33e3b79-22aa-436b-a870-89016d0e6edb)



domingo, 15 de setembro de 2019

Sintonia: periferia nas telas e caixas de som (Netflix, 2019)

[Texto sem spoilers] A Netflix acertou ao fazer parceria com KondZilla, fundador do Canal de música que leva o seu nome e é o maior do Brasil no YouTube (link: https://m.youtube.com/user/CanalKondZilla).

Do Guarujá/SP e com 31 anos, Konrad Dantas é criador da série Sintonia, também atuando na direção da produção lançada recentemente, que é muito bem-feita, com um roteiro de primeira qualidade, atuações ótimas, fotografia original e uma trilha sonora incrível.

Meu objetivo aqui não é falar sobre a trama, o que eu talvez faça em outro texto com revelações (spoilers). O fato é que eu vi, gostei muito, estou revendo e recomendo demais. O que desejo nesta análise é destacar os muitos pontos altos da série Sintonia e também fazer críticas a aspectos da produção que me chamaram atenção.

O tema principal da série é a amizade - e isso é o que a trama tem de universal -, mas o que brilha nas cenas e até emociona são as  particularidades da vida numa das periferias brasileiras, a maior do país: a periferia de São Paulo. As gravações rolaram na Favela do Jaguaré, zona oeste da capital, mas na ficção a favela se chama Vila Áurea - homenagem do KondZilla à mãe dele -, localidade marginal (no sentido sociológico) onde os três amigos - dois rapazes e uma jovem mulher - vivem e compartilham seus dramas e destinos.

E as chaves da originalidade e vanguardismo da produção são justamente a coragem e a fidelidade ao retratar a vida na marginalidade, especialmente a de SP. E isso é muito interessante, porque geralmente os holofotes estão virados para as favelas cariocas e não pra periferia paulistana. As favelas do Rio merecem atenção, é claro, mas esse foco nos cariocas é desproporcional, já que, além de KondZilla, SP é a terra dos Racionais, Sabotage, Criollo, Emicida e mais uma pá de gente talentosa, formando um cenário social, cultural e artístico muito ativo, original e rico.

Sintonia tem personagens muito bem construídos e verossímeis - interpretados por atores muito talentosos que espantam pela naturalidade nos papéis -, diálogos ágeis, cheios de gírias, ritmo e  espontâneos demais, além de uma narrativa realista, forte, muito bem contada, que cresce e encaixa os caminhos dos três protagonistas. 

Os atores da série (não só os principais) são incríveis, parecem ter nascido nas personagens. E não é à toa: o elenco é formado por desconhecidos (profissionais que não estão na TV) e, pesquisando sobre a origem dos talentos, descobri que alguns dos atores são ex-detentos, que fizeram curso de teatro na prisão. Pelo resultado do trabalho, essa foi um excelente escolha dos realizadores.

Para não dar spoilers, vou dizer apenas que a trama se sustenta nas caminhadas e batalhas do trio principal: Rita (Bruna Mascarenhas), Doni (Jottapê Carvalho) e Nando (Christian Malheiros). Os amigos, cada um com seus “corres” (lutas diárias), representam o tripé que fundamenta a história narrada: a vida no crime (em facção que explora o tráfico de drogas), a aproximação com a igreja evangélica e o desejo de realizar o sonho de viver da música, de se destacar como MC.

Sintonia conta a realidade da periferia de SP e realiza muito bem esse projeto, porque tem criadores e atores que nasceram e se desenvolveram ali, dentro da favela, e por isso sabem do que estão falando. Impossível tratar de experiências na periferia brasileira sem mencionar igrejas evangélicas, tráfico de drogas, cenário musical, trabalho informal (com personagens camelôs, vendedores ambulantes), união da comunidade, violência (incluindo a doméstica), preconceitos, corrupção policial etc.  Tudo isso é abordado na série.    

Bom, agora passo às críticas sobre o que penso que pode ser aperfeiçoado. As personagens são muito boas, mas podem ser ainda melhores se o roteiro da segunda temporada se dispuser a contar mais sobre o passado de cada um dos protagonistas. Colocar alguns flashbacks da história de Rita, Doni e Nando pode dar mais profundidade às suas personalidades e também à trama como um todo.

Na minha opinião, o maior erro de Sintonia foi em relação à representatividade, especialmente no trio principal. A questão é de gênero, racial (étnica) e também passa pelo colorismo: há apenas uma mulher e somente um dos três protagonistas é negro com pele mais escura, e é justamente esse personagem que faz parte de uma facção criminosa.

No plano geral, a série consegue fugir dos estereótipos; porém, ao colocar só um negro no trio e ainda ligado ao crime, acaba reforçando uma visão menos apurada e original da favela. Conforme explica o site GELEDÉS, “de uma maneira simplificada, o termo [colorismo] quer dizer que, quanto mais pigmentada uma pessoa, mais exclusão e discriminação essa pessoa irá sofrer.”[1] 

Na população brasileira em geral, segundo o IBGE, a maioria é de brancos (47,51%), seguidos de pardos (43,42%), negros (7,52%), amarelos (1,1%) e indígenas (0,42%) [2],  sendo a maioria de mulheres, que representam mais de 51% do total. Apesar de os brancos serem maioria no país, não é esta a realidade nas quebradas, nos lugares mais pobres, onde o percentual de negros supera 50%. [3] Portanto, um trio mais representativo da favela paulistana poderia ter duas mulheres negras ou dois negros, e não vincular os mais escuros a atividades ilegais. Em um país racista e desigual como o Brasil não dá pra passar pano na questão da representatividade.

As críticas - que se pretendem construtivas - não tiram o valor da série, uma das melhores já realizadas no Brasil, com temas e cenários muito ricos, belos, peculiares e geralmente mal representados em produções audiovisuais, que não respeitam o lugar de fala das pessoas da favela. Que venham mais projetos artísticos criados e produzidos por pessoas da periferia!


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Notas e referências:







sexta-feira, 13 de setembro de 2019

Natureza urbana

Nasce o sol por trás dum prédio
Apagando as luzes dos postes.
Como flores, despontam antenas parabólicas
Dos telhados e coberturas.
Chovem gotas d'água dos aparelhos de ar-condicionado.

Rugem carros, motos, caminhões.
À sombra dum prédio descansa um cão magro,
estendido como um morto ante a vida das máquinas;
Sobrevoam o corpo inerte aviões, helicópteros, urubus.
O vento espalha folhas de papel
E faz dançarem sacos plásticos.

O sol brilha refletido nos prédios envidraçados,
Para-brisas, espelhos, telas, chapas de metal.
Mexe um bicho no lixo, catando restos.
Zumbe um helicóptero pousando num prédio.
Mimetizado - um homem de terno entre
Dezenas de homens de terno - entra num ônibus.
Como formigas, pessoas somem da superfície,
Entrando no buraco, estação do metrô.

Predadora é a pressa, perigosos os carros velozes.
Zumbem também telefones, sirenes,
Palavras num megafone, apitos.
Cantam os camelôs andando entre
uma manada de carros, caminhões, ônibus
Parados, à espreita, diante do sinal vermelho.

Não se ouve o murmúrio do riacho negro de esgoto,
Nem das ondas na praia, abafadas por motores
e escondidas por construções e outdoors.
Uma semente de papel amassado lançada na calçada:
há de nascer uma montanha de lixo.

Brotam tapumes e tatus tratores perfuram asfalto.
Pousam pombos nos fios.
Enquanto o sol se esconde atrás do viaduto,
nascem luzes no fim da tarde.
A noite revela uma constelação de postes,
letreiros luminosos, faróis, telas.

Migram os animais pras tocas, pros bares,
pras esquinas, pros ônibus lotados…
Não brilha a lua, mas o holofote da empena cega.
A TV em cada sala de cada apartamento
reluz como uma fogueira na mata.


Amanhã - cedo demais pra quem se esquece (aquece?)
até tarde na frente da TV -
por trás dum prédio, nascerá o sol.



domingo, 8 de setembro de 2019

Yesterday (Danny Boyle, 2019)

Yesterday, recém-lançado no cinema, é um filme leve e com uma bela homenagem. Divertido, explora a ideia de um mundo sem os Beatles, no qual apenas um músico desiludido e fracassado se lembra das canções do quarteto de Liverpool. 

A trama tem pontos interessantes e uma narrativa fluida. Mas perde por alguns excessos, como as aparições exageradas de um astro pop; o romantismo idiota de um casal que poderia ser muito mais do que foi; e por fazer um final cafona, bobo e prolixo (na minha opinião, poderia terminar de forma linda uns 10 minutos antes). Seria melhor se não fosse uma comédia romântica, mas vale a pena mesmo assim. 

Destaque pras atuações do protagonista e do seu amigo doidinho. Curti também as versões musicais do filme. "Help", numa pegada meio Nirvana, inserida num contexto de desespero, emociona. Muitas referências e alguns pontos altos. Inclusive o de arriscar sobre tudo que não existiria num mundo sem os Beatles. Uma narrativa sobre amor, sentido da vida e ética. Recomendo.