sábado, 26 de junho de 2010

E agora, José?

A fim de continuar a homenagem a Saramago, preparava-me para escrever sobre a criação de Israel, abordando-a de forma não maniqueísta, desde o início do movimento sionista. Porém, depois de refletir um pouco, cheguei à conclusão de que poderia falar do tema sem ir tão longe. Em vez de falar de Israel, resolvi tratar do retorno dos índios ao litoral de Niterói.

Talvez o leitor, a princípio, possa achar a associação inusitada, mas olhando de perto perceber-se-á que o retorno à terra antes ocupada vincula diretamente os dois fatos.

Farei, inicialmente, um brevíssimo resumo dos acontecimentos.

Sobre Israel:

“Em novembro de 1947, as Nações Unidas recomendaram a partição da Palestina em um Estado judeu, um Estado árabe e uma administração direta das Nações Unidas sob Jerusalém. A partição foi aceita pelos líderes sionistas, mas rejeitada pelos líderes árabes, o que conduziu à Guerra Civil de 1947-1948. Israel declarou sua independência em 14 de maio de 1948 e Estados árabes vizinhos atacaram o país no dia seguinte. Desde então, Israel travou uma série de guerras com os Estados árabes vizinho e, como consequência, Israel atualmente controla territórios além daqueles delineados no Armistício israelo-árabe de 1949. Algumas das fronteiras internacionais do país continuam em disputa, mas Israel assinou tratados de paz com o Egito e com a Jordânia e apesar de esforços para resolver o conflito com os palestinos, até agora só se encontrou sucesso limitado.” [1]

A criação de Israel tem origem no sionismo, "movimento político que defende o direito à autodeterminação do povo judeu e à existência de um Estado Judaico, por isso sendo também chamado de nacionalismo judaico. Ele se desenvolveu a partir da segunda metade do século XIX, em especial entre os Judeus da Europa central e do leste europeu, sob pressão de pogroms e do anti-semitismo crônico destas regiões, mas também na Europa ocidental, em seguida ao choque causado pelo caso Dreyfus.” (...)

Apesar de não haver evidência de qualquer interrupção da presença judaica na Palestina há mais de três milênios, é fato incontroverso o concurso de várias migrações substitutivas em massa, com a saída de judeus e a entrada de outros povos, notadamente árabes. (...) [2]

Sobre os Guaranis:

“Nas primeiras décadas do século XVI, quando o processo colonizador mercantilista ainda não havia compreendido com maior clareza a geografia humana nativa no continente sul-americano, os indígenas, que posteriormente serão chamados, genericamente, de Guaranis, eram conhecidos como carijós no Brasil e cariós no Paraguai colonial. O termo Guarani, que significa guerreiro, passou a ser empregado a partir do século XVII, quando a ordem tribal já estava bastante esfacelada por mais de 100 anos de exploração colonial, para designar um grande número de índios que viviam em aldeamentos pertencentes a grupos falantes de dialetos da língua Guarani da família linguística Tupi-guarani. (...)

A antiga e intensa política de ocupação dizimou a população indígena, todavia as populações desta etnia ainda mantém fortes indícios de unidade linguística e cultural, desenvolvendo sempre formas estratégicas relacionais diante das realidades nacionais com as quais são obrigados a conviver.

As populações guaranis contemporâneas vivem em pequenas reservas, acampamentos a beira de rodovias ou habitam ainda espaços geograficamente isolados. Suas principais atividades econômicas são a confecção e a venda de artesanato - cestas com taquara e cipó, estátuas em madeira e colares com sementes nativas - a coleta de raízes, ervas e frutos silvestres e o plantio de suas sementes tradicionais.” [3]

Por fim, a associação óbvia: se os Judeus, depois de milênios, têm direito de criar um Estado, por que os Guaranis não podem morar num sítio arqueológico em Camboinhas, Niterói?

Como se sabe, o litoral, há cinco séculos, pertencia aos índios, que, dizimados e deslocados ao longo da história, atualmente ocupam pequenas áreas. As razões que fundamentaram a criação, manutenção e expansão de Israel serviriam para legitimar o retorno de todos (os poucos que sobraram) índios descendentes dos que viviam no litoral.

A grande diferença é que os índios são uma minoria muito mais fraca e fragmentada. A terra que lhes pertenceu ontem é hoje propriedade, protegida pelo Estado. Os palestinos (agora minoria no território que ocuparam por séculos) tiveram que ceder suas terras aos "judeus israelitas", que voltavam ao "Sião". Os proprietários de Camboinhas (maioria), com certeza, não deixarão que os Guaranis se instalem.

Holocausto quer dizer imolação; etimologicamente relaciona-se à cremação de corpos em sacrifícios religiosos. Na história dos índios há vários holocaustos, embora não se fale muito deles.

O pior é que tais sacrifícios não fazem parte só do passado distante: há dois anos, ocorreu um incêndio aparentemente criminoso na aldeia de Camboinhas. Parece que o holocausto dos índios, apesar de não tão divulgado, continua.

E agora, José? Os judeus têm direito e os índios não?



(Foi difícil achar um vídeo sem propagandas...)

Referências

[1] Retirei o trecho da Wikipedia em 26/06/2010, às 12:05h - pt.wikipedia.org/wiki/Israel. Assim fiz para evitar que me acusem de maniqueísmo. O texto pareceu-me imparcial.

[2] Trecho também retirado da Wikipedia, às 12:14h - pt.wikipedia.org/wiki/Sionismo.

[3] Wikipedia, consulta realizada à 12:18 - pt.wikipedia.org/wiki/Guaranis.

Link para matéria de “O Globo”: g1.globo.com/Noticias/Rio/0,,MUL456844-5606,00-ALDEIA+EM+PRAIA+DE+NITEROI+OPOE+INDIOS+A+DONOS+DE+CASAS+DE+LUXO.html.

Link sobre o incêndio: webradiobrasilindigena.wordpress.com/2008/07/18/um-incendio-criminoso-ocorreu-na-aldeia-dos-indios-guarani-em-camboinhas-niteroi-rj/


PS. Informo desde logo que não sou a favor de um Estado indígena! Gostaria que o Estado constituído os protegesse melhor, até porque há grupos que usam os direitos indígenas apenas como discurso para invadir e controlar certos espaços.

Deixo claro (como já havia falado no texto anterior, em relação ao Saramago) que não tenho nada contra nenhum povo, etnia ou grupo social. Minha crítica se dirige apenas à forma como foi criado Israel.

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