quinta-feira, 10 de junho de 2010

Barcas: transporte público ou shopping?

Num post abaixo (Muro disfarçado de ponte, de 16/10/09) falo sobre o caos do transporte público e o absurdo da criação de um catamarã de luxo (Charitas) que beneficia apenas ínfima parcela das pessoas que precisam ir ao Rio todos os dias.

Agora, o foco são as Barcas, que, em vez de melhorar a prestação do serviço, piora a cada dia. Embora tenham sido criadas barcas novas, mais modernas e rápidas, o tempo de espera na estação aumentou muito, visto que elas têm somente a metade da capacidade das antigas. A travessia demora 12 minutos (a barca tradicional demorava 20), mas a espera, nos horários de maior movimento, pode chegar a uma hora!

E, recentemente, para piorar, a empresa ainda substituiu algumas roletas por mesas de certa lanchonete localizada à direita - Estação Praça XV.

Como nós, usuários, ficamos esperando um tempão para embarcar, acabamos comprando lanches e outros produtos nas lojas situadas na estação; assim, ao gastarmos nosso dinheiro ali, a Barcas S/A lucra, pois, quanto mais compramos, mais valorizado se torna aquele espaço.

O consumo de produtos na estação está gerando lucro e a espera - criada pela própria empresa - beneficia esse comércio. Não é à toa que A ESTAÇÃO SE TRANSFORMOU NUM VERDADEIRO SHOPPING, com direito a propaganda em todos os lugares - nas paredes, nos bancos e até na fachada das  embarcações, fazendo-as parecer um ridículo pacotão de sabão em pó!

Será que o lucro obtido dessa forma é abatido do valor da tarifa? Só quando houver transparência  poderemos descobrir...

A estratégia da empresa é antiga. Vocês já devem ter reparado que os supermercados e lojas de departamento oferecem produtos baratos, de consumo imediato, situados justamente nos corredores onde se formam as filas para os caixas. Isso obviamente é feito de propósito, tendo em vista que a ansiedade da espera faz com que o consumidor gaste mais, adquirindo coisas que nem pensava em comprar quando entrou na loja - é quase um consumo automático, inconsciente. Quem nunca comeu chocolates ou balas enquanto esperava para pagar?

E o pior é que, segundo o liberalismo - opção do Estado brasileiro (ou imposição acatada) -, não existem cidadãos, há apenas consumidores. Sob essa perspectiva, não é só o transporte público que está se transformando em shopping, produto, mas também a saúde e a educação - o que é muito mais grave.

Voltando à questão do transporte, a meu ver, para demonstrar nossa insatisfação, deveríamos evitar gastar nosso dinheiro nas estações, para que nossa espera (que é cada vez maior!) não gere ainda mais lucro para a Empresa.

SE O COMÉRCIO E A PUBLICIDADE NÃO REDUZEM A TARIFA, POR QUE MANTÊ-LOS?  

Nunca fui contra a beber um cafezinho, ao esperar 10 ou 15 minutos. Mas do jeito que está, a solução parece ser mesmo não consumir nada para não fomentar a indústria da espera.

Se continuarmos dando lucro fácil, a situação só vai piorar. O transporte público tem que servir ao cidadão e não se tornar fonte de exploração da iniciativa privada, que visa somente LUCRAR!




Foto da estação em 1958 - quando as barcas ainda serviam para realizar o transporte de cidadãos.

4 comentários:

  1. O serviço só piora... E ainda dizem que têm prejuízo. Noção de cidadania passa longe, nem como consumidores tratam as pessoas, tratam igual gado mesmo.

    Fernandes

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  2. É verdade. Os consumidores têm direitos. Estamos sendo tratados como gado mesmo.
    Ao distinguir consumidores de cidadãos, o que quero frisar é que a atuação política está morta; fomos reduzidos a consumidores.
    Tudo é produto e nós, de homens, passamos a meros consumidores - que ainda que tenham direitos assegurados, são bastante limitados comparados com os direitos inerentes à cidadania.
    Abraços!

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  3. Nossa, esperar por volta de 40 minutos em horário de movimento? Não sabia, é realmente muito tempo. Também não sabia da substituição das roletas. Pelo visto, estou desinformada e desatenta porque andei de barca há cerca de um mês. Faz bastante sentido o que você falou de fazer as pessoas esperarem para consumir mais enquanto esperam. O liberalismo foi escolha mesmo porque a ideia de mercado 'livre' agrada a muita gente porque acreditam, não sei como, que as oportunidades são iguais e que todo mundo pode ser Pelé ou Ronaldo. Tô igual ao coroa do Tudo pode dar certo, né? Finalmente vi o filme ontem, muito legal: "Ele tem 4 pernas e dois narizes".

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  4. O filme é legal, nê? Imaginei que vc fosse gostar...

    Quando falo do liberalismo como imposição, eu o faço tendo em vista a globalização, as relações internacionais. Um Estado forte, que intervenha no setor econômico, é mal visto, criticado e até pode sofrer sanções; e o capital (investimentos internacionais) evita esses lugares. Ou seja, para atrair as grandes empresas (que aquecem a economia, geram emprego etc., nos termos do discurso vigente) os Estados se mantém à distância do controle. Há uma certa impotência diante da hegemonia das grandes corporações, que, como diz Bauman, flutuam para onde querem, indo geralmente aonde o Estado é mais fraco, menos interventor, e nesse deslocamento deixam um rastro de desemprego, crise, miséria - problemas que o Estado (reduzido, impotente) não consegue resolver...

    Nesse contexto, ainda que existam pessoas que acreditem que o mercado deve ser livre, acho que a redução do Estado pode estar mais ligada a essa imposição, na qual o estado que é rígido fica de fora da rodada de investimentos internacionais.

    E além disso, acho q os defensores do liberalismo muitas vezes são os próprios beneficiados pela ideologia, na medida em que são donos de empresas etc.

    Beijos

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