"Não pretendo que a poesia seja um antídoto para a tecnocracia atual. Mas sim um alívio. Como quem se livra de vez em quando de um sapato apertado e passeia descalço sobre a relva, ficando assim mais próximo da natureza, mais por dentro da vida. Porque as máquinas um dia viram sucata. A poesia, nunca." (Quintana, Mario. A vaca e o Hipogrifo. P. 133)
Ecos, porque se trata da ressonância que certos fatos ou obras de arte produzem em mim, embora o som que devolvo ao mundo nunca seja mera repetição do que entrou (isso sem falar na ninfa); prosaicos, pelos dois sentidos do termo: pela forma de prosa e por ser corriqueiro, vulgar. Afinal, quem é a prosa para falar da poesia?
sábado, 31 de outubro de 2009
sábado, 24 de outubro de 2009
Fungível
Fosse Kafka vivo, "A metamorfose" não trataria da transformação de Gregor Samsa num inseto. Gregor, após uma noite de insônia (e não de "sonhos inquietos"), transformar-se-ia numa máquina. Seu pai não sentiria repulsa, mas orgulho e, após refletir um pouco, vendê-lo-ia.
terça-feira, 20 de outubro de 2009
Guichês e roletas: Estado mínimo, lucro máximo
De acordo com o discurso vigente, os empreendimentos públicos devem buscar investimentos na iniciativa privada; desta forma, o Estado deve delegar a empresas a prestação de serviços públicos, reservando para si somente o poder de regulamentar e fiscalizar os serviços.
O principal argumento dos que defendem a redução do papel do Estado é a diminuição dos gastos: a cessão do espaço e/ou prestação do serviço público a empresas alivia os cofres públicos, ou seja, a iniciativa privada paga para assumir a administração da área/serviço - o que evitaria ou, pelo menos, compensaria os gastos públicos.
Mas na realidade não é assim.
Isso porque, quem arca com as despesas é o usuário do serviço, uma vez que a empresa responsável pela gestão cobra tarifas, para cobrir o seu dispêndio e lucrar com a prestação do serviço. Repita-se: compensar seus gastos e LUCRAR com a prestação do serviço.
Não há certeza sobre os gastos e os lucros - e não haverá enquanto inexistir transparência.
Transporte com tarifas baixas não dão lucro e, portanto, não interessam à iniciativa privada, "patrocinadora" - indispensável? - do Poder Público. O transporte público, que deveria ser uma ponte, transforma-se em muro com as tarifas altas.
O responsável pela prestação dos serviços públicos é o Estado; isso está na nossa Constituição, artigo 175. A delegação do serviço à iniciativa privada é uma opção (sim, o Estado pode prestá-lo diretamente), que só se justifica quando tem por finalidade o interesse público. Resumindo: é pra servir - e muito bem - ao cidadão e não pra encher os bolsos de uns poucos.
A tarifa é alta: pagamos muito. Motoristas, trocadores, mecânicos etc. ganham pouco. Parece que só os empresários estão satisfeitos.
O principal argumento dos que defendem a redução do papel do Estado é a diminuição dos gastos: a cessão do espaço e/ou prestação do serviço público a empresas alivia os cofres públicos, ou seja, a iniciativa privada paga para assumir a administração da área/serviço - o que evitaria ou, pelo menos, compensaria os gastos públicos.
Mas na realidade não é assim.
Isso porque, quem arca com as despesas é o usuário do serviço, uma vez que a empresa responsável pela gestão cobra tarifas, para cobrir o seu dispêndio e lucrar com a prestação do serviço. Repita-se: compensar seus gastos e LUCRAR com a prestação do serviço.
Não há certeza sobre os gastos e os lucros - e não haverá enquanto inexistir transparência.
Transporte com tarifas baixas não dão lucro e, portanto, não interessam à iniciativa privada, "patrocinadora" - indispensável? - do Poder Público. O transporte público, que deveria ser uma ponte, transforma-se em muro com as tarifas altas.
O responsável pela prestação dos serviços públicos é o Estado; isso está na nossa Constituição, artigo 175. A delegação do serviço à iniciativa privada é uma opção (sim, o Estado pode prestá-lo diretamente), que só se justifica quando tem por finalidade o interesse público. Resumindo: é pra servir - e muito bem - ao cidadão e não pra encher os bolsos de uns poucos.
A tarifa é alta: pagamos muito. Motoristas, trocadores, mecânicos etc. ganham pouco. Parece que só os empresários estão satisfeitos.
sexta-feira, 16 de outubro de 2009
Muro disfarçado de ponte
Em tempos de segregação, é importante refletir sobre as ações do Estado diante do problema: o Poder Público tem construído pontes ou muros? As edificações públicas promovem a aproximação e a integração ou refletem e reforçam a discriminação? Será que as propaladas “pontes” erigidas pela Administração Pública permitem o trânsito de todos ou possuem barreiras em suas entradas e por isso funcionam, na verdade, como muros?
Parece que as pontes, os meios de ligação, possuem barreiras, as quais se abrem apenas a uma pequena parcela da população. Embora projetados pelo Estado, certos caminhos e meios de transporte públicos são inacessíveis a grande parte da coletividade. A fim de refletir sobre essa questão, analiso uma obra do Município de Niterói: a estação hidroviária de Charitas, projetada por Oscar Niemeyer.
Olhando a construção da calçada, veem-se as embarcações (que levam os passageiros até o centro do Rio em 15 ou 20 minutos) e o mar. Todavia, observando-a da areia, vê-se a enorme favela que se ergue no morro em frente. A pergunta que faço é a seguinte: de que maneira o dinheiro público investido nesse empreendimento beneficiou a integração e não a segregação? Os moradores da favela do Preventório, que abriga grande parte das pessoas que moram no referido bairro, têm acesso à belíssima obra de Niemeyer?
Parece que as pontes, os meios de ligação, possuem barreiras, as quais se abrem apenas a uma pequena parcela da população. Embora projetados pelo Estado, certos caminhos e meios de transporte públicos são inacessíveis a grande parte da coletividade. A fim de refletir sobre essa questão, analiso uma obra do Município de Niterói: a estação hidroviária de Charitas, projetada por Oscar Niemeyer.
Olhando a construção da calçada, veem-se as embarcações (que levam os passageiros até o centro do Rio em 15 ou 20 minutos) e o mar. Todavia, observando-a da areia, vê-se a enorme favela que se ergue no morro em frente. A pergunta que faço é a seguinte: de que maneira o dinheiro público investido nesse empreendimento beneficiou a integração e não a segregação? Os moradores da favela do Preventório, que abriga grande parte das pessoas que moram no referido bairro, têm acesso à belíssima obra de Niemeyer?
(A Estação vista da calçada)
A resposta é clara: o público da estação hidroviária não mora em favelas. O bilhete hoje custa entre R$ 8,00 e 9,00 - mais de três vezes o valor da barca simples e quase duas vezes o valor da passagem dos ônibus que levam ao mesmo destino. Além da estação, há, no local, lojas cujo público alvo é a classe média e ainda um restaurante de luxo que ocupa o ápice da construção.
Ressalto que não sou contra a criação de novos meios para facilitar o tráfego de pessoas para o Rio; pelo contrário, reconheço a necessidade, tanto por conhecer a crise no trânsito em Niterói quanto pelo fato de que, como grande parte da população de Niterói, trabalho no Rio.
A questão é: por que o Município escolheu gastar dinheiro com esta obra específica e qual a parcela da população de Niterói é beneficiada?
Construir novas estações hidroviárias é importante, na medida em que desafoga o trânsito: as pessoas não precisam ir até o Centro de Niterói para pegar a embarcação até o Rio. Sem dúvida! Mas isso só seria relevante se o número de pessoas que os catamarãs luxuosos levam não fosse irrisório. Nos horários de pico, a barca leva 2000 pessoas e sai a cada 10 minutos. Os catamarãs levam 200 pessoas (10% da capacidade das barcas) e saem a cada 30 minutos. A viagem de uma barca equivale a 10 viagens do catamarã! Será que uma obra assinada por Niemeyer é um investimento proporcional ao ganho que de fato se obteve?
Quanto à segunda pergunta, é óbvio que o público da estação de Charitas é restrito, já que exige um gasto alto. Afinal, quem pode pagar mais que o dobro do que pagam os que vão de ônibus (pela ponte) ou barca (saindo do Centro)? Considerando que o mês possui em média 22 dias úteis (ida e volta) o valor mensal só com o catamarã - sem levar em consideração o preço do ônibus até a estação ou o estacionamento - é de R$ 396,00, ao passo que usando a barca o gasto mensal é de R$ 123,20 (e o preço da barca é caro – R$ 2,80), ou seja, menos de um terço.
Portanto, o que parece uma ponte, é na verdade um muro. Não só por essa barreira, mas também porque o ponto mais alto do prédio tem o acesso praticamente vedado àqueles que não puderem pagar caro por uma refeição. O que poderia ser um mirante, um museu, uma biblioteca pública ou uma praça - lugares acessíveis a todos -, é um restaurante de luxo. A obra é pública (seus gastos foram pagos pelo povo), mas os benefícios são privados, restritos a uma ínfima parcela dos habitantes da cidade. O engarrafamento para chegar ao Centro de Niterói piora a cada dia (já que a falsa solução individualista de comprar carros é na verdade uma das causas do problema) e as barcas populares continuam lotadas. Somente aqueles que podem pagar caro para passar pela roleta se livraram do problema. Uma "ponte" com roletas, guichês e bilhetes caros é um muro.
(O outro lado: o morro do Preventório visto da Estação)
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