Ecos, porque se trata da ressonância que certos fatos ou obras de arte produzem em mim, embora o som que devolvo ao mundo nunca seja mera repetição do que entrou (isso sem falar na ninfa); prosaicos, pelos dois sentidos do termo: pela forma de prosa e por ser corriqueiro, vulgar. Afinal, quem é a prosa para falar da poesia?
sexta-feira, 23 de dezembro de 2016
quarta-feira, 14 de dezembro de 2016
Amor, liberdade e segurança
Segundo
Bauman, “para ser feliz há dois valores essenciais que são
absolutamente indispensáveis [...] um é segurança e o outro é
liberdade. Você não consegue ser feliz e ter uma vida digna na
ausência de um deles. Segurança sem liberdade é escravidão.
Liberdade sem segurança é um completo caos. Você precisa dos dois.
[...] Cada vez que você tem mais segurança, você entrega um pouco
da sua liberdade. Cada vez que você tem mais liberdade, você
entrega parte da segurança. Então, você ganha algo e você perde
algo".
O
sociólogo conhecido pelo termo “modernidade líquida”, ator de
diversas obras sobre a fluidez da pós-modernidade, critica nossos
tempos de total liberdade, na qual os laços são frouxos, abertos,
além da reprodução das práticas de consumo nas relações
pessoais, reificando humanos. No entanto, na minha interpretação,
vejo Bauman como um saudosista, de certo modo conservador, tanto nos
costumes quanto nas questões de estado e economia. Ele defende o
Estado de bem-estar social pós-guerra, diante das suas experiência
europeias, desconsiderando outros países e cenários periféricos
numa visão eurocêntrica.
É
claro que gosto muito do autor e mantenho minha admiração,
especialmente nas críticas ao neoliberalismo e consumismo e também
na cidadania, mas num aprofundamento não posso deixar de divergir,
já que em uma sociedade patriarcal nunca houve igualdade de gêneros
nem exclusividade imposta ao homem. Bauman critica a fluidez, mas é
essa liberdade que reflete uma evolução no sentido de as pessoas não
se submeterem a relações opressivas e expandir a capacidade de amar
e construir novas formas mais abertas, como o poliamor. A questão é
viver isso sem reificar. Bauman condena a liberdade, é um nostálgico
dos laços perenes e exclusivistas.
Uma
leitura do filme Her (2013, S. Jonze), numa perspectiva baumaniana,
atinge “o paradigma de que são apenas as relações carnais que
estão perdendo a força. Ao se apaixonar por um sistema operacional,
Theodore parece suprir todas as suas necessidades dentro de um
relacionamento. A forma virtual de se relacionar é a maneira que o
protagonista tem de encontrar aquilo que realmente procura e
idealiza, pois o sistema operacional se adapta cada vez mais às suas
satisfações, tornando-se uma complementação do usuário.1”
Nessa
visão crítica da superficialidade virtual Bauman acerta em cheio,
mas a verdade é que o filme não reflete a realidade, é uma
hipérbole. Hoje ainda há pessoas por trás das máquinas, celulares
e aplicativos: mensagens trocadas geram encontro entre pessoas reais.
Desse modo, a internet e outras tecnologias não acabam com as
relações.
Aqui
proponho um diálogo entre o que colocações de Bauman e da
psicanalista Regina Navarro Lins. Enquanto o sociólogo se fecha no
passado, Navarro Lins já enxerga mudanças positivas e um futuro com
outras configurações afetivas e familiares. Segundo a psicanalista
“poliamor
é a tradução livre para a língua portuguesa da palavra polyamory
(Polyamory é uma palavra híbrida: poly é grego, e significa muitos
, e amor vem do latim), que descreve relações interpessoais
amorosas que recusam a monogamia como princípio ou necessidade. Por
outras palavras, o poliamor como opção ou modo de vida defende a
possibilidade prática e sustentável de se estar envolvido de modo
responsável em relações íntimas, profundas e eventualmente
duradouras com várias/os parceiras/os simultaneamente.”2
Regina Navarro
Lins compreende a liberdade e a abraça; Z. Bauman vê com desconfiança,
dando maior ênfase à defesa da segurança. Só
tempo vai mostrar como a sociedade vai desenvolver o modo de se
relacionar, mas desde já se veem novas modalidade de relacionamentos
mais complexos. Na dança da vida, entre a liberdade e a segurança,
as pessoas vão descobrir como querem amar.
________________________________
2 blogosfera.uol.com.br/2016/08/06/da-monogamia-ao-poliamor/
terça-feira, 13 de dezembro de 2016
sábado, 10 de dezembro de 2016
Museu do amanhã
Um grande tatuí quase
morto
À beira da baía de
Guanabara,
Navio branco que passou
do porto e
Das águas escuras com
sua carapaça clara.
Fóssil novo e
reluzente,
Exoesqueleto brilhante
e alvo,
Prédio derrubado
por acidente,
Gigante náufrago por
acaso salvo.
Quase totalmente
cercado de mar e mares -
Água suja, fétida,
colorida de combustível -,
A ostentar suas
estruturas triangulares,
Um corpo que se move de
forma previsível.
Um homem que se
aproxime da sua boca-entrada
O verá grande, amplo,
desdentado e faminto;
Mas ao olhar para o
lado, o verá como uma ossada
De um daqueles enormes
navios extintos.
Para nada o seu
exoesqueleto se move:
Um gasto de energia
eterno e desnecessário.
Não voa, não nada,
não anda, embora inove,
mudando e iluminando o
velho cenário.
A velha e sombria praça
do porto gigante
Agora - sem anteparos -
encara o mar,
Mas inda guarda seus
becos logo ali, adiante,
Às sombras de
edifícios e morros a se abandonar.
sexta-feira, 9 de dezembro de 2016
Cry me a river: o choro dos manipulados
Cry me a river. Agora, os que foram manipulados podem chorar rios. O golpe se aprofunda e agora parte da classe média começa a sentir medo. Lutem ou chorem rios...
Well, you can cry me a river
Cry me a river
I cried river over you
Now you say you're sorry
For being so untrue
Well, you can cry me a river
Cry me a river
Cause i cried, i cried, i cried a river over you...”
"Now you say you're lonely
You cried the long night throughWell, you can cry me a river
Cry me a river
I cried river over you
Now you say you're sorry
For being so untrue
Well, you can cry me a river
Cry me a river
Cause i cried, i cried, i cried a river over you...”
quarta-feira, 7 de dezembro de 2016
De olhos bem abertos aos dogmas (Kubrick, 1998)
“Nunca
homens e mulheres se aventuraram com tanta coragem em busca de novas
descobertas, só que, desta vez, para dentro de si mesmos. Cada um
quer saber quais são suas possibilidades, desenvolver seu potencial.
O amor romântico propõe o oposto disso, pois prega a fusão de duas
pessoas. Ele então começa a deixar de ser atraente. Ao sair de cena
está levando sua principal característica: a exigência de
exclusividade. Sem a ideia de encontrar alguém que te complete,
abre-se um espaço para outros tipos de relacionamento, com a
possibilidade de amar mais de uma pessoa de cada vez”, diz a
psicanalista e escritora Regina Navarro Lins.*
A exclusividade é um dogma. Por que o amor tem que se restringir a duas pessoas? Por que o amor não pode se expandir? O que acontece com os desejos? E se nos revelarmos? A revelação é o que acontece no filme “De olhos bem fechados” (1998), de S. Kubrick. Contém spoilers! Alice, personagem interpretada por Nicole Kidman, revela a seu marido, Dr. Bill (Tom Cruise), seu desejo sexual por outro homem.
A exclusividade é um dogma. Por que o amor tem que se restringir a duas pessoas? Por que o amor não pode se expandir? O que acontece com os desejos? E se nos revelarmos? A revelação é o que acontece no filme “De olhos bem fechados” (1998), de S. Kubrick. Contém spoilers! Alice, personagem interpretada por Nicole Kidman, revela a seu marido, Dr. Bill (Tom Cruise), seu desejo sexual por outro homem.
A
partir daí, Bill entra em um processo de desejos, fantasias e
rituais. Vai parar num assombroso baile de máscaras em que várias
pessoas transam livremente. A loja de máscaras e os diálogos dão a
entender que vivemos no mundo do arco-íris e que o baile é além,
um cenário pós-arco-íris. Um piano sombrio atravessa todo o filme.
O fato é que na cena final, depois de toda busca frustrada de Bill,
de todas as fantasias e máscaras caídas, Alice diz que eles tem
que fazer uma coisa o mais rápido possível: “foder”. O diálogo
final indica que o casal vai continuar se amando, construindo a
relação.
Outro
filme que trata da exclusividade de um modo criativo é Her (Ela, de
Spike Jonze, 2013), ganhador do oscar de melhor roteiro original. No
filme, que se passa num futuro não tão distante, Theodore,
personagem de Joaquin Phoenix, se apaixona por Samantha, cuja voz é
de Scarlett Johansson. Tudo normal para um cara que estava desolado
com o fim de um longo relacionamento, exceto pelo fato de que
Samantha é um novo sistema operacional.
Ela
passa a acompanhá-lo durante todo o tempo, no computador, no
celular, em qualquer tela, em fones de ouvido. Theodore
trabalha escrevendo cartas pessoais comoventes para outras pessoas e
Samantha o ajuda em tudo, desde a hora de acordar até seus sonhos.
Ela não tem corpo, mas tem voz, expressa sentimentos, vontades e os
dois passam a namorar.
Chegam
até a viajar juntos para uma cabana. Tudo se abala no momento em que
ele descobre que Samantha se relacionava com várias outras pessoas e
sistemas operacionais ao mesmo tempo. A relação prescindiu de um
corpo, mas foi enfraquecida pelo dogma da exclusividade.
Theodore desaba quando descobre que não é o único. E por que agir
assim se ela o amou de qualquer forma? O poliamor já é uma
realidade, a liberdade e a felicidade não devem ser limitadas por
dogmas.
Concluindo
com as palavras de Regina Navarro Lins: “é provável que o modelo
de casamento que conhecemos seja radicalmente modificado. A cobrança
de exclusividade sexual deve deixar de existir. Acredito que, daqui a
algumas décadas, menos pessoas estarão dispostas a se fechar numa
relação a dois e se tornará comum ter relações estáveis com
várias pessoas ao mesmo tempo, escolhendo-as pelas afinidades. A
ideia de que um parceiro único deva satisfazer todos os aspectos da
vida pode vir a se tornar coisa do passado.”
*Regina Navarro Lins (Rio de Janeiro, 30 de novembro de 1948) é uma psicanalista e escritora brasileira. Também é palestrante em assuntos como relacionamentos afetivos e sexualidade.
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