Muito
se fala sobre crise de representatividade, mas penso que o problema é
mais profundo. Não se sentir representado é mais uma consequência
da crise de cidadania e da prevalência de um discurso de falência
da política. A maioria das grandes empresas da mídia descrevem o
Estado e os políticos como algo ruim, mau, como se todos estivessem
envolvidos com corrupção, como se só existisse a politicagem. Essa
visão de que tudo é corrompido, de que só existe politicagem
liga-se ao fascismo. Falta nas escolas educação para formar
cidadãos, para que as pessoas desenvolvam senso crítico e se
interessem e participem da política.
A
maioria das pessoas demonstra raiva dos políticos, compartilha
reportagens sobre corrupção, xinga, grita, fica indignada. Mas
grande parte dessas pessoas nunca colocou os pés numa reunião de um
partido, nunca tentou participar, ver como funciona a escolha das
propostas, dos candidatos, dos programas. Querendo ou não, gostando
ou não, é dos partidos que virão os nossos representantes. O modo
de vida consumista contamina tudo. Escolher candidatos, atuar para a
construção dos governos, não é como ir ao supermercado ou
shopping escolher produtos.
Mas
é assim que muitos agem: de dois em dois anos ficam surpreendidos e
indignados com as escolhas que tem de fazer, como se os candidatos
fossem produtos ruins numa prateleira de uma loja arcaica. A mesma
coisa acontece com os sindicatos e outras organizações coletivas:
as pessoas não participam e depois ficam reclamando, cheias de
raiva, como se fossem meras vítimas de um processo macabro e
misterioso. Não é assim. Há processos deliberativos, votações,
assembleias e muitos não vão, não se informam, não querem saber e
depois ficam reclamando, reforçando padrões individualistas,
frustrantes e ineficazes.
Se
você está surpreso com os candidatos é porque não acompanha a
política, não participa de nenhum partido, e uma parcela na
restrição de escolhas é responsabilidade sua também. Os partidos
são construídos por pessoas e se você fica afastado contribui para
sua surpresa e indignação. Sei que é cansativo, desgastante, que a
gente trabalha demais, que tem família, outras coisas pra cuidar
etc. mas, se a gente não praticar cidadania, não respirar política,
vai ser difícil se sentir representado...
Gostei do link entre o consumismo/individualismo e a crise de representatividade.
ResponderExcluirA indignação que é "uma mosca sem asas e não ultrapassa as paredes das casas" em nada contribui para o debate político. Antes de abrir a boca para reclamar de tudo os "indignados" poderiam participar dos processos decisórios. É impressionante como está tudo interligado. Importante reflexão, parabéns!