O
presente artigo trata da ocupação das escolas públicas pelos
alunos, analisando seus aspectos jurídicos bem como as consequências
perante o Estado, tendo em vista a relevância e repercussão das
aludidas manifestações a partir do ano de 2015 até junho de 2016.
Com efeito,
é de suma importância compreender o enquadramento atribuído ao
movimento do corpo discente da rede pública de ensino no
Rio de Janeiro e em São Paulo, verificando-se as diferentes
interpretações e seus efeitos no tocante à interação com o Poder
Público. Embora os protestos tenham se espalhado pelo país, o
presente trabalho aborda apenas as mobilizações realizadas nos
Estados fluminense e paulista.
Na
hipótese, destacam-se
duas interpretações jurídicas antagônicas acerca das ocupações,
quais sejam: (i) são atos ilegais e devem, portanto, ser reprimidos,
classificando-os como invasão de bens públicos; (ii) trata-se de
exercício de direitos previstos na Constituição da República de
1988, razão pela qual as ocupações devem ser respeitadas.
Pretende-se
no presente trabalho expor e analisar a origem e as causas da aludida
ocupação das escolas públicas, investigando seus aspectos
jurídicos, as diversas perspectivas e interpretações, assim como
suas consequências perante o Estado.
NOTAS SOBRE A ORIGEM DA OCUPAÇÃO DAS ESCOLAS PÚBLICAS
De acordo com as
informações obtidas nos principais veículos de comunicação,
verifica-se que, a partir do segundo semestre de 2015, estudantes
secundaristas da rede pública de ensino deram início à ocupação
das escolas.
Em São Paulo, onde
começou o aludido movimento, os alunos, a princípio,
manifestaram-se contra o que se chamou de “reorganização
escolar”, plano que o Poder Executivo do estado paulista pretendia
implementar, com mudanças radicais no ensino público, remanejando
alunos e funcionários, de modo a reduzir o número de colégios,
concentrando em determinados locais as unidades de educação, com o
consequente fechamento de diversas escolas. O projeto do Governador
Geraldo Alckmin (PSDB/SP) objetivava transferir trezentos mil alunos
e fechar noventa e dois colégios. Tais medidas, evidentemente,
dificultariam o acesso de milhares de estudantes à rede de ensino
público e gratuito do Estado.
O movimento dos alunos de
São Paulo se inspirou na experiência dos secundaristas chilenos, os
quais ocuparam centenas de escolas no ano de 2006, a fim de
reivindicar passe livre e melhoria da educação pública. A
manifestação no Chile, que ficou conhecida como “revolução dos
pinguins” (referência ao uniforme escolar no país), levou à
criação do manual “como ocupar um colégio?”, que orientou a
manifestação dos estudantes brasileiros.
Inicialmente, os alunos
paulistas, acompanhados de seus pais e professores, protestaram
contra o plano do governo estadual por meio de passeatas. No entanto,
como as manifestações não estavam atingindo o resultado esperado,
já que o governo continuou distante do diálogo, os secundaristas
decidiram ocupar escolas, seguindo as instruções da cartilha
chilena.
Percebe-se que a ocupação
das escolas é uma estratégia de mobilização que surge como
alternativa às passeatas e manifestações em ruas e praças. Tendo
em vista que os meios de protestos mais tradicionais se mostraram
ineficazes e até perigosos - diante da truculência da polícia -,
os alunos decidiram ocupar as unidades de ensino, de modo pacífico.
Diante das medidas
anunciadas pelo governo estadual de São Paulo bem como da desordem
do ensino público no Rio de Janeiro, a mobilização dos estudantes
surgiu como resposta, em uma clara tentativa de resguardar direitos
que vêm sendo diluídos por políticas de cortes e crescentes
privatização e precarização de serviços essenciais e prestações
positivas do Estado, as quais se relacionam à promoção da
igualdade material (direitos fundamentais de segunda dimensão).
FATOS E INTERPRETAÇÃO:
PROBLEMÁTICA
Não há dúvida de que a
aplicação do direito está vinculada à interpretação,
construindo-se uma relação entre os fatos e as normas que incidirão
na hipótese. De acordo com Ferraz Junior (2006, p. 14-35), o ato
interpretativo é problemático, tendo em vista que há múltiplas
vias que podem ser escolhidas, existindo para o intérprete um espaço
de liberdade, que é um pressuposto da hermenêutica
jurídica.
Com base na análise das
decisões judiciais e dos atos da Administração Pública,
pretende-se verificar qual o enquadramento jurídico acerca da
ocupação das escolas pública foi predominante, constatando-se, já
de início, um conflito aparente entre a aplicação da norma do
Código Civil - que levaria à retomada da posse pelo Estado sem
intervenção do Poder Judiciário - e a prevalência do exercício
dos direitos de reunião e de manifestação, assegurados no artigo
5º, incisos
XVI e IV, da Constituição da República.
E desse processo
hermenêutico - ato problemático - surgirá o enquadramento do
protesto e seus efeitos.
INTERPRETAÇÃO DE
NATUREZA PRIVATISTA, COM NUANCES DE DIREITO ADMINISTRATIVO
Ao que tudo indica, a
primeira exegese de caráter jurídico foi a realizada na decisão em
relação a ação de reintegração de posse proferida pelo Juízo
da 14ª Vara da Fazenda Pública da Comarca da Capital/TJSP, nos
autos n. 101946387.2016.8.26.0053. Em síntese, tal decisão impôs
condições para o cumprimento da liminar para “cessação de
esbulho” supostamente ocorrida na sede do CEETPS, como o uso de
força policial desarmada e pessoalmente comandada pelo Secretario de
Segurança Pública.
Certo é que esta decisão
foi atacada por via de mandado de segurança, que teve sua liminar
deferida. A decisão original, de 04/05/2016, fazia menção, em sua
fundamentação, no sentido de que o Estado pode se valer do
“desforço imediato na defesa da posse, diante da ocupação
ilícita”.
Em seguida,
Procuradoria-Geral de São Paulo (PGE/SP) elaborou o Parecer nº
193/20161,
atendendo a consulta da Secretaria Estadual de Segurança Pública,
indicando como solução prioritária a utilização do desforço
necessário, mecanismo de autotutela previsto no artigo 1.210,
parágrafo primeiro, do Código Civil (doravante, CC/02), tendo em
conta também a autoexecutoriedade nos atos administrativos em geral
e notadamente das medidas de policia administrativa, vinculando o
procedimento ao Secretário de Segurança Pública.
Na interpretação dos
fatos, entendeu o órgão do Estado responsável por sua atuação
jurídica, em consonância com o governo do Sr. Geraldo Alckmin, por
desconsiderar totalmente o caráter de manifestação dos alunos e
consequentemente negar a via exegética que levaria à incidência de
direitos fundamentais, previsto na Constituição da República
Federativa do Brasil – CRFB/88.
O aludido Parecer nº
193/2016 tratava a mobilização estudantil como uma mera invasão de
propriedade privada e ainda sugeriu o emprego de força policial
proporcional ao agravo. Sendo ato do governo estadual, a polícia a
atuar na repressão seria a Polícia Militar de São Paulo, órgão
ligado à Secretaria de Segurança Pública do Estado, conhecido por
sua violência.
Outro efeito da
interpretação da PGE/PS, não menos importante que o primeiro, era
a de que a retomada da posse não deveria ser submetida à chancela
do Poder Judiciário, seria, portanto, uma ato imediato, a ser
autoexecutado. Logo, bastaria ao Poder Público agir: convocar a
polícia militar e ingressar nas escolas, como se fossem simples
prédios, expulsando os invasores, usurpadores ilegítimos da posse;
não haveria sequer necessidade de ajuizar ação de reintegração
de posse com pedido liminar.
O tema gerou ampla
divergência e, ao mesmo tempo em que o Governo de São Paulo agia
para reprimir com a polícia as ocupações, novas vozes se
destacaram no cenário interpretativo.
INTERPRETAÇÃO NO
SENTIDO DA NECESSIDADE DE JUDICIALIZAR A QUESTÃO
Uma segunda interpretação
sustentou que se fazia indispensável a propositura de ação de
reintegração de posse para que se colocasse fim às ocupações
escolares. Tal exegese restringiu-se à formalidade, não se
manifestando sobre a natureza da norma a ser aplicada no caso
concreto; verifica-se, portanto, que se tratava de questão
procedimental, no sentido de que o Estado de São Paulo deveria
pleitear a retomada da posse perante o Poder Judiciário, e aí
caberia ao juízo analisar o caráter da mobilização,
interpretando-o, e aplicar a norma material de modo a apaziguar o
conflito.
INTERPRETAÇÃO DE
NATUREZA CONSTITUCIONAL
De acordo com a aplicação
nas normas constitucionais, a ocupação das escolas deveria ser
respeitada, sendo imprescindível a atuação do Poder Judiciário,
de modo a assegurar a prevalência do exercício dos direitos de
reunião e de manifestação, previsto no artigo 5º, incisos
XVI e IV, da Constituição da República.
Consoante essa
interpretação, a ocupação é protesto legítimo dos estudante e
deve ser analisada levando-se em conta as normas constitucionais e
não o Código Civil. A Constituição é a Norma Fundamental do
Estado e ocupa o ápice da pirâmide de Kelsen, ou seja, há
hierarquia entre os atos normativos, figurando a norma constitucional
sobre todas as outras, como afirma PADILHA (2011, p. 3). Assim, é
relevante observar como as normas foram aplicadas no que se refere ao
movimento estudantil, já que se está diante de direitos e garantias
fundamentais. Acerca da extensão da interpretação que se atribui
a direitos dessa índole, SARLET (2012, p. 455) aduz que:
… o âmbito de proteção
da liberdade de expressão deve ser interpretado como o mais extenso
possível, englobando tanto a manifestação de opiniões, quanto de
ideias, pontos de vista, convicções, críticas, juízos de valor
sobre qualquer matéria ou assunto e mesmo proposições a respeito
de fatos.
Assim, é indispensável
que se verifique se o que está em jogo é uma simples invasão de
propriedade ou se é uma ocupação decorrente do exercício dos
direitos constitucionais de liberdade de expressão e de reunião. No
caso da ocupação das escolas públicas não há dúvida de que o
movimento se insere na segunda hipótese, dada a sua organização,
suas legítimas reivindicações, bem como o modo pacífico pelo qual
se fez.
Ou seja, trata-se de um
Estado Democrático de Direito, embora muitas vezes alguns juristas e
intérpretes das normas deixem de lado o termo “democrático”,
dando ênfase ao Direito sob uma perspectiva legalista (positivista)
e infraconstitucional.
É evidente o anseio
democrático dos estudantes que ocuparam as escolas, uma vez que,
entre suas propostas, está a maior participação na administração,
inclusive com eleições diretas para a direção das instituições.
A mobilização, tal como
a do Chile (Revolução dos Pinguins), lutava contra medidas
neoliberalistas que afetavam a rede de ensino público. Os
alunos protestavam contra um processo global, em que as instruções
neoliberais acatadas por governos enfraquecidos perante a
financeirização, o capital especulativo, bem como as
transnacionais, o poder econômico, em suma, em sua versão não
produtiva.
Trata-se de uma tentativa
de resgate da cidadania e de reduzir as desigualdades, cada vez
maiores. No Brasil, a maioria pobre não conseguia ter acesso a
escolas com qualidade. Acerca do tema, BAUMAN (2000, pág. 84)
destaca que a “passagem para o estágio final da modernidade ou
para a condição pós-moderna não produziu maior liberdade
individual (...). Apenas transformou o indivíduo de cidadão
político em consumidor de mercado”.
Do mesmo modo, a
legitimidade e a forma do movimento, além de serem resguardas pelos
direitos constitucionais, são justificadas, já que o direito à
cidade decorre do movimento político, como afirma HARVEY (2013, p.
34) no sentido de que “…repousa sobre a capacidade de forçar a
abertura de modo que o caldeirão da vida urbana possa se tornar o
lugar catalítico de onde novas concepções e configurações da
vida urbana podem ser pensadas e (…) ser construídas.”
A interpretação do
Parecer nº 193/2016 (PGE/SP) sustenta uma interpretação
infraconstitucional positivista, na medida em que defende a aplicação
do Código Civil. Tal exegese se choca com o chamado pós-positivismo,
que consagra
verdadeiro avanço, tendo em vista que o positivismo permitiu as
atrocidades cometidas pelos regimes nazista e fascista, cujos atos se
deram de acordo com as leis então vigentes. As constituições do
pós-guerra, com a tutela dos direitos humanos e de minorias impede
que maiorias criem leis de extermínios de grupos de menor
representatividade.
Neste
contexto, o surgimento dos regimes constitucionalistas decorre e
agrava a decadência
do positivismo. Os movimentos da direita, de caráter militar,
“ascenderam ao poder dentro de um quadro de legalidade vigente e
promoveram a barbárie em nome da lei,” como
afirma BARROSO (2006, p. 325).
Com efeito, o direito à
cidade, interligado ao direito à liberdade de expressão e de
reunião, não é apenas algo formal, distante da realidade, mas um
direito de fruição, que envolve o uso da infraestrutura da
municipalidade, dos equipamentos e dos serviços públicos,
abarcando, evidentemente, outros direitos previstos na Constituição,
como saúde, lazer, assistência social, educação, dentre outros. E
há de se observar a efetividade das normas constitucionais, na
concepção de BARROSO (2006, p.105/222).
No caso da ocupação das
escolas sobressai o direito à educação e não apenas como um
currículo básico a ser cumprido. Trata-se de um direito que exige
uma prestação do Estado e por se dar em locais específicos, há de
se ter em vista a função social da propriedade, tanto privada
quanto pública, como se verifica na hipótese do ensino público.
Dúvida não há sobre a
natureza constitucional do conflito, razão pela qual cabe ao Estado
cumprir o disposto na Lei Maior. No caso da ocupação, respeitar a
movimento estudantil em sua forma pacífica de democrática de se
manifestar, abrindo-se ao diálogo.
DECISÕES JUDICIAS E POSTURAS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Submetida a ocupação
das escolas ao Poder Judiciário nos Estados de São Paulo e Rio de
Janeiro, verifica-se que houve decisões em sentidos divergentes,
sendo que parte dos órgãos julgadores de primeira e segunda
Instâncias entendeu pelo caráter de protesto legítimo e parte
decidiu no sentido de determinar a reintegração do Estado.
O Tribunal de Justiça de
São Paulo decidiu no dia 23 de novembro, por unanimidade, que não
deveria haver nenhum tipo de reintegração de posse. O
entendimento do TJ-SP é que o objetivo das ocupações não é tomar
posse do prédio público, mas promover um diálogo com o Estado.
Todavia,
mencionada decisão não
tem poder vinculante em outras ações e só é válida para as
escolas citadas no processo (todas da capital). Em seis cidades do
interior, os juízes locais já decidiram no sentido contrário e
ordenaram a reintegração, inclusive com autorização do uso de
força policial contra os estudantes. Em seguida, a Defensoria
Pública (que tem atuado na defesa dos interesses dos estudantes
contrários ao fechamento) entrou com recursos em varas locais
anexando a decisão do TJ como argumento.
A estratégia surtiu
efeito: em seis cidades onde ocorrem ocupações das escolas, os
juízes de primeira instância suspenderam as reintegrações
após ter sido juntado no processo a decisão do Tribunal de Justiça
por via recursal.
É
importante ressaltar o entendimento que prevaleceu no Poder
Judiciário Fluminense, noticiado no sítio eletrônico do TJRJ:
“Vara da Infância
inicia negociação entre Estado e estudantes. Notícia publicada
pela Assessoria de Imprensa em 10/05/2016 21:51. Representantes da
Secretaria estadual de Educação (Seeduc), da Defensoria Pública do
Rio de Janeiro e lideranças do movimento estudantil “Ocupa”
participaram de uma audiência de conciliação realizada pela juíza
Glória Heloiza Lima da Silva, titular da 2ª Vara da Infância, da
Juventude e do Idoso da Capital, nesta terça-feira, dia 10. O
objetivo foi abrir caminho para uma negociação entre o governo do
Estado e os estudantes insatisfeitos com a gestão do ensino que
ocupam escolas da rede pública estadual desde o início deste ano
como forma de protesto. (…) A juíza determinou que a Secretaria de
Educação realize, no prazo de sete dias, o crédito retroativo dos
valores referentes às passagens dos alunos até 1° de maio, já que
no dia seguinte a pasta publicou uma resolução que antecipava as
férias escolares na rede estadual por conta das escolas ocupadas.
(…) Na decisão, a magistrada: determinou a adequação da merenda
escolar ao cardápio informado no site da Secretaria estadual de
Educação no prazo de sete dias. (...) Sobre a falta de material
didático, a Justiça determinou que a Secretaria disponibilize os
livros que não estão sendo usados até o dia 2 de junho, quando
retornam as aulas. Em caso de descumprimento da decisão judicial, a
multa diária é de R$ 5 mil. (…) a magistrada também proibiu a
Secretaria de Educação de fazer postagens em suas redes sociais
fomentando o antagonismo entre estudantes ao estimular o movimento
“Desocupa”, composto por alunos contrários à ocupação dos
colégios como forma de protesto. Em caso de descumprimento da
decisão judicial, a multa será de R$ 10 mil por postagem. (…)
Juíza proíbe que integrantes das ocupações sejam punidos. A juíza
determinou ainda que todas as escolas da rede estadual coloquem em
prática a resolução que institui os Grêmios Estudantis,
possibilitando a participação dos alunos nas decisões junto à
direção dos colégios. Em sua decisão, a magistrada ressaltou que
não poderá haver punição ou perseguição aos alunos que aderiram
ao movimento estudantil “Ocupa” e que o currículo escolar terá
de ser readaptado, com reposição das aulas dos dias letivos
prejudicados. Por sua vez, os integrantes da ocupação estão
obrigados a liberar o acesso de demais estudantes e funcionários aos
espaços das escolas para expedição de documentos. (…)
Processo: 0105730-36.2016.8.19.0001”.
No tocante aos órgãos
do Poder Executivo no Rio de Janeiro e em São Paulo, constata-se que
em um primeiro momento houve esforço de retomar a posse, de forma
violenta, como é comum agirem em relação a protestos. Aliás, a
própria ideia original de ocupar colégios decorre da necessidade de
evitar as passeatas nas ruas, reprimidas violentamente pela polícia.
A Secretaria de Educação
do Rio de Janeiro inicialmente entendeu que o movimento era ilícito
e ilegítimo e deveria, portanto, ser desfeito de imediato, com
auxílio da polícia. Posteriormente, a mesma Secretaria mudou sua
interpretação dos fatos e reconheceu a legitimidade da mobilização,
abrindo-se ao diálogo. Essa postura decorreu evidentemente da
atuação da Defensoria Pública e do Ministério Público.
CONCLUSÃO
À luz do que precede,
cabe ressaltar que, sob a égide de um Estado Democrático de
Direito, no qual a Constituição é a manifestação formal da
vontade do povo e vincula a todos, inclusive e principalmente o
Estado, deve o Poder Público atuar de acordo com o que lhe impõe a
Carta Magna.
Como já mencionado,
trata-se de profunda crise política: a cidadania vem sendo
fragmentada e reduzida, para limitar-se aos papéis individualistas
de consumidores e condôminos. Quando estudantes do ensino médio das
escolas públicas de dois dos mais populosos estados do Brasil
passam a se organizar e exercer seus direitos de liberdade de
expressão e reunião, ocupando as suas escolas a fim de reivindicar
a manutenção e melhora de serviço essencial, vê-se a ruptura do
papel de mero consumidor-individualista para agir coletivamente e na
esfera política.
Os direitos fundamentais
apresentam ampla aplicação, inclusive no tocante às relações
privadas, adotando a eficácia horizontal de referidos direitos e
garantias constitucionais. Também vale ressaltar o crescimento da
corrente do Direito Civil Constitucional, que enriquece a leitura da
Lei, compatibilizando-a com o sistema jurídico e a preponderância
das Normas Fundamentais. Desse modo, evidencia-se o dever do Estado
de reconhecer e respeitar o legítimo exercício dos direitos
consagrados na CRFB/88.
Verificou-se a
divergência do Poder Público e órgãos do Poder Judiciário ao
depararem com a ocupação das escolas pelos alunos. Decisão de juiz
de primeiro grau bem como o governo paulista entenderam, em um
primeiro momento, que seria legítimo o exercício do desforço
necessário, com base na Lei Civil e na autoexecutoriedade relativa à
Administração Pública.
Contudo, não foram estas
as decisões finais. Além das mobilizações, com adesão da
sociedade, houve a atuação da Defensoria Pública e do Ministério
Público, pleiteando em tutela coletiva, bem como o confronto entre
as posições adotadas em Primeira e Segunda Instâncias do
Judiciário de São Paulo.
No Rio de Janeiro, houve
a realização de um acordo entre o governo e os manifestantes. No
Estado paulista o governador desistiu da proposta inicial de fechar
escolas e demitir professores. Houve diálogo, tutela dos direitos,
participação cidadã, visando à melhoria de um serviço público
essencial.
Como deve ser, as normas
constitucionais prevaleceram sobre a legislação
infraconstitucional, no caso, o Código Civil, que deve ser aplicado
apenas nas hipóteses de conflito entre particulares e não quando se
tratar de situação que envolva o Estado e adolescentes, estudantes,
usuários diretos do serviço de educação pública, que vem sendo
reduzido desde a ditadura militar iniciada em 1964. O ensino público
perdeu qualidade e houve uma aprofundamento da cisão entre os mais
pobres e a classe média no que se refere ao uso do serviço, do
compartilhamento deste ambiente de construção social.
Certo é que o Estado
moderno, na forma em que se manifesta, surge como criação vinculada
ao capitalismo e não é, nem nunca foi, algo pronto, perfeito,
acabado, dada a sua própria natureza; sendo assim, há que se
reconhecer a legitimidade das mobilizações com intuito de moldá-lo.
Em tempos de grande
retrocesso, de golpes parlamentares, sanções sem infrações,
repressão, criminalização de movimentos sociais, fundamentalismo
religioso, é mais do que relevante estudar, analisar, promover
diálogo, sobretudo quando se está diante de protestos legítimos,
de filhas e filhos dos cidadãos mais pobres do país.
Os estudantes exerceram
seus direitos e o diálogo foi possível, a Administração Pública
cedeu, trocou informações e houve a aproximação de uma solução
pacífica e aparentemente satisfatória. Para os alunos, o governo e
a sociedade como um todo, na medida em que a formação de cidadãos
exige maior participação e capacidade crítica, como mostraram os
estudantes mobilizados no Rio de Janeiro e São Paulo.
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