Que tal
pensarmos sobre calçadas? Sobre o espaço que temos pra andar nas
calçadas? Você, leitor, já deve ter passado por um momento em que
viu a calçada cheia e teve dificuldade de passar, de caminhar
livremente, de seguir seu caminho no seu ritmo pela calçada. E isso
pode ter acontecido pelos mais diversos motivos: um casal com um
cachorro com a guia esticada; uma família numerosa que anda
lentamente como se não existisse mais ninguém querendo passar por
ali; um grupo de jovens conversando em voz alta e vindo em bloco no
sentido contrário sem sequer perceber que esmaga pessoas que estão
tentando caminhar, em festas populares etc.
O que
você faz quando se vê numa situação assim? Pede licença? Vai
pela rua, se arriscando? Tenta passar pelo cantinho, meio que
esmagado? Como faz? Bom, essa é uma situação comum, em que o
espaço nas ruas, o espaço público (físico) parece ser disputado
entre as pessoas, cada uma delas com interesses diferentes, com
ritmos, necessidades e intenções diversas. Na verdade, uma mesma
pessoa pode apresentar interesses diferentes a cada dia: pode ser que
um dia esteja caminhando lentamente com os avós e em outro queira
correr, na mesma calçada.
A
pergunta que faço é: como conciliar esses interesses diferentes e
por vezes contrários? Como conviver naquele mesmo espaço, na
calçada? Como andar a cada dia por ali sem se submeter aos
interesses de grupos maiores, mais fortes, nem impor aos demais os
seus interesses, suprimindo os direitos alheios? É a lei do mais
forte que dever prevalecer? Como fazer no dia em que você estiver
sozinho e um grupo grande o empurrar para a rua, pra cima dos carros
em alta velocidade?
Fiz
muitas perguntas. Pense nas respostas antes de prosseguir a leitura
do texto. Tente refletir sobre essas situações: como você deve
agir quando está num grupo grande e também quando está só, diante
de um monte de pessoas que seguem pela calçada, criando um muro e
sem perceber sua presença.
Pois
bem. Isso foi uma metáfora para o fascismo, sobre o exercício do
poder. Qual o critério estabelecer para definir quem terá
prevalência sobre o espaço na calçada, na política, nos governos,
na definição das normas, nas determinações do poder econômico?
Na vida há grupos que esmagam outros. Há aqueles que são donos de
espaços, que compram e dominam vastas extensões, oprimindo os mais
pobres. E são eles que pedem menos ou nenhuma regulamentação, que
pedem um estado mais fraco, reduzido, mínimo. A desigualdade ainda é
imensa, mesmo com a retirada de milhões de pessoas da miséria.
A
imposição de medidas neoliberais só aprofundam a desigualdade.
Piketty demonstra a concentração de renda e patrimônio para um
percentual mínimo da população, em detrimento das maiorias cada
vez mais pobres (veja link abaixo). Com a ausência de regulamentação, não existiria
calçadas, seria tudo propriedade privada, como já é no asfalto.
O foco da mídia e do senso comum geralmente
se atem ao poder político, nada fala sobre o poder econômico. Vemos
prevalecer o discurso de que os políticos são todos iguais, a
retórica da corrupção generalizada, sem vinculá-la ao
capitalismo. E no assassinato da política vemos mãos fascistas. O
momento é de luta. As ocupações e manifestações estão aí.
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