“Risadinha
tá foda hoje! Impossível! Rá, rá, rá!”, disse o homem barbudo,
que usava roupas surradas e segurava uma bolsa velha.
“Você
sabe o que o papagaio disse pra dona?”, continuou Risadinha,
enquanto o homem barbudo gargalhava, tremia de tanto rir, com o corpo
arqueado e o rosto enrugado.
“Risadinha,
Risadinha, conta aquela, conta aquela, a do político! Rá, rá,
rá!”, pediu o homem, e Risadinha soltou sua risada longa, de
vários tons, aquela sua risada de plateia, de claque, que se
misturou com a risada do homem barbudo, mais uma entre as várias
gargalhadas que tomavam a praça.
“Ah,
Risadinha, você conta o que quer, na hora que quer - puta que o
pariu! Rá, rá, rá! Mas sabe contar piada! Mas é um filha da puta
que sabe contar piada! Rá, rá, rá!”, disse o barbudo, largando
sua bolsa no chão.
“Estava
o presidente sobrevoando uma cidade do interior quando...”,
continuou Risadinha.
“Essa,
é essa, seu safado! Mas que filha da puta! Rá, rá, rá!”
“Ô
Risadinha, segura sua onda aí! Pode escutar, rir, mas ficar
xingando, não! Olha as senhoras passando aí; você tá na praça,
na cidade, não dá pra ficar esculhambando, não! Mais respeito!”,
falou o vendedor de pipoca para o homem barbudo, que estava cada vez
mais agitado.
“É
todo dia isso! Parece uma novela! Esse Risadinha aí com essas
piadas!”, gritou o jornaleiro, dando um passo pra fora da banca de
jornal e apontando pro barbudo, enquanto se dirigia ao pipoqueiro.
“Aí
o padre olhou para a moça e disse que...”, prosseguia Risadinha.
“Ah,
não enche, não enche! Esse Risadinha é que acaba comigo! Rá, rá,
rá! Vocês querem o quê?! Ele me mata com essas piadas! Ele é
foda! Rá, rá, rá!”, respondeu o barbudo.
“Pega
leve, Risadinha, pega leve! Senão você me prejudica; eu tô aqui
querendo vender meus cedês; assim você espanta a clientela”,
falou o vendedor, diante da sua barraquinha.
“Mas
não é pra rir? Mas não é pra se escangalhar de rir com uma porra
dessa? Rá, rá, rá”, respondeu o barbudo, com o corpo arqueado,
uma mão na barriga, o outro braço estendido.
“Ele
hoje tá impossível! Risadinha, Risadinha, segura sua onda! O Zé da
pipoca já tá furioso com sua gritaria!”, respondeu o vendedor de
cedês.
“Rá,
rá, rá, rá...”, as risadas dos Risadinhas se misturavam e
tomavam a praça, em meio ao barulho de máquinas, conversas e os
pregões de vendedores ambulantes.
Muitas
pessoas passavam apressadas. A conversa ocorria numa praça, no
centro da cidade, perto da estação das barcas. Parados, só os
vendedores e um ou outro que estivesse esperando alguém.
Jornaleiros, vendedores de chips de celular, carrocinhas de
cachorro-quente, churros, pipoca, isopor com bebidas, cedês,
devedês... A cada quinze ou vinte minutos, chegava uma barca e uma
torrente de pessoas jorrava pela praça; nesse momento, o barulho
aumentava, os vendedores gritavam mais alto, anunciavam seus
produtos. Mas as piadas e risadas seguiam um fluxo contínuo e se
destacavam ainda mais quando a onda de pessoas ia se afastando. Havia
momentos em que dominava, quase sozinha, a risada longa, eufórica,
variada, aquela risada de claque. Uma
risada solta, sozinha, perdida numa praça cinzenta, suja, quente,
onde nada parece engraçado. Risadas que se repetem, marcando o tempo
como um relógio com alarme de risos. Risadas que parecem debochar da
pressa e da rotina da multidão que passa.
“...
e aí a professora perguntou pro Joãozinho...”, continuava
Risadinha.
“Mas
é de foder, é de foder! Essa é muito boa! Rá, rá, rá”, gritou
o barbudo, se sacudindo de tanto rir.
“Ele
tá de sacanagem! Ele já tá provocando! Eu falei com educação!
Mas também vem esse aí lá da puta que o pariu pra botar essas
merdas dessas piadas o dia inteiro na nossa cabeça!”, reclamou o
pipoqueiro.
“Tô
trabalhando! Aqui é praça, é público, quem tiver incomodado que
se mude! Você solta uma fumaceira danada aí com essa pipoca
gordurenta e a gente atura!”, respondeu o vendedor de cedês.
“Mas
o problema é esse cachaceiro desgraçado aí! Esse vagabundo
Risadinha aí, que passa horas e horas rindo e xingando!”, se
intrometeu o jornaleiro, já a uns três passos da sua banca,
apontando pro barbudo.
“Rá,
rá, rá. Mas essa é boa! Repete, repete, seu filha da puta! Rá,
rá, rá”, berrava o barbudo, se aproximando da barraquinha de
cedês.
“Risadinha,
segura sua onda, Risadinha! Você tá demais hoje mesmo!”, disse o
vendedor de cedês.
“...
daí em diante o bêbado passou a evitar a primeira dose...”,
Risadinha continuou.
“Mas
que putaria é essa de me chamar disso?! Vai rir na minha cara!”,
berrou o barbudo, erguendo a cabeça e o braço direito.
“Rá,
rá, rá, rá...”, gargalhava risadinha entre uma piada e outra.
“Mas
você acha que vai ficar nessa provocação e eu não vou fazer
nada?!”, disse o barbudo, se aproximando ainda mais da barraquinha
de cedês.
“Ih,
agora Risadinha surtou! Acabou a graça, cachaceiro?!”, provocou o
pipoqueiro.
“...
e aí a mulher falou: já foi beber, safado, já foi beber...”,
contava Risadinha.
“Puta
que o pariu! Mas que filho da puta! Tá achando que eu tô de
brincadeira!”, falou o barbudo, enfurecido, mais perto da
barraquinha de cedês.
“Rá,
rá, rá...”, gargalhava a plateia.
“Seu
pilantra, filho da puta! Mas você vai aprender a calar essa porra
dessa boca!”, gritou o barbudo, atacando Risadinha.
O barbudo empurrou Risadinha - uma
lixeira grande, de plástico, com rodinhas, adaptada com alto-falante
- e, desequilibrado, caiu por cima dela. O plástico estalou e
quebrou, e o som das risadas foi interrompido.
O pipoqueiro, o jornaleiro e
outros vendedores se aproximaram.
“Seu
bêbado filho da puta!”, disse o vendedor de cedês, dono de
Risadinha, enquanto tirava com agressividade o barbudo de cima do seu
alto-falante. Empurrado, o barbudo caiu no chão, de lado, e não fez
força pra levantar.
“Você
viu o que você fez, desgraçado!”, gritou o vendedor de cedês.
O barbudo ficou quieto, de cabeça
baixa, se ajeitou devagar, permanecendo sentado no chão.
“Você
destruiu meu alto-falante? Como é que eu vou trabalhar agora? Você
destruiu! Destruiu!”, continuou o enfurecido vendedor.
“Eu
não queria machucar Risadinha, eu não queria machucar
risadinha...”, disse o barbudo, balançando a cabeça abaixada e
chorando.
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