sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Amizade (conto)

Risadinha tá foda hoje! Impossível! Rá, rá, rá!”, disse o homem barbudo, que usava roupas surradas e segurava uma bolsa velha.
Você sabe o que o papagaio disse pra dona?”, continuou Risadinha, enquanto o homem barbudo gargalhava, tremia de tanto rir, com o corpo arqueado e o rosto enrugado.
Risadinha, Risadinha, conta aquela, conta aquela, a do político! Rá, rá, rá!”, pediu o homem, e Risadinha soltou sua risada longa, de vários tons, aquela sua risada de plateia, de claque, que se misturou com a risada do homem barbudo, mais uma entre as várias gargalhadas que tomavam a praça.
Ah, Risadinha, você conta o que quer, na hora que quer - puta que o pariu! Rá, rá, rá! Mas sabe contar piada! Mas é um filha da puta que sabe contar piada! Rá, rá, rá!”, disse o barbudo, largando sua bolsa no chão.
Estava o presidente sobrevoando uma cidade do interior quando...”, continuou Risadinha.
Essa, é essa, seu safado! Mas que filha da puta! Rá, rá, rá!”
Ô Risadinha, segura sua onda aí! Pode escutar, rir, mas ficar xingando, não! Olha as senhoras passando aí; você tá na praça, na cidade, não dá pra ficar esculhambando, não! Mais respeito!”, falou o vendedor de pipoca para o homem barbudo, que estava cada vez mais agitado.
É todo dia isso! Parece uma novela! Esse Risadinha aí com essas piadas!”, gritou o jornaleiro, dando um passo pra fora da banca de jornal e apontando pro barbudo, enquanto se dirigia ao pipoqueiro.
Aí o padre olhou para a moça e disse que...”, prosseguia Risadinha.
Ah, não enche, não enche! Esse Risadinha é que acaba comigo! Rá, rá, rá! Vocês querem o quê?! Ele me mata com essas piadas! Ele é foda! Rá, rá, rá!”, respondeu o barbudo.
Pega leve, Risadinha, pega leve! Senão você me prejudica; eu tô aqui querendo vender meus cedês; assim você espanta a clientela”, falou o vendedor, diante da sua barraquinha.
Mas não é pra rir? Mas não é pra se escangalhar de rir com uma porra dessa? Rá, rá, rá”, respondeu o barbudo, com o corpo arqueado, uma mão na barriga, o outro braço estendido.
Ele hoje tá impossível! Risadinha, Risadinha, segura sua onda! O Zé da pipoca já tá furioso com sua gritaria!”, respondeu o vendedor de cedês.
Rá, rá, rá, rá...”, as risadas dos Risadinhas se misturavam e tomavam a praça, em meio ao barulho de máquinas, conversas e os pregões de vendedores ambulantes.
Muitas pessoas passavam apressadas. A conversa ocorria numa praça, no centro da cidade, perto da estação das barcas. Parados, só os vendedores e um ou outro que estivesse esperando alguém. Jornaleiros, vendedores de chips de celular, carrocinhas de cachorro-quente, churros, pipoca, isopor com bebidas, cedês, devedês... A cada quinze ou vinte minutos, chegava uma barca e uma torrente de pessoas jorrava pela praça; nesse momento, o barulho aumentava, os vendedores gritavam mais alto, anunciavam seus produtos. Mas as piadas e risadas seguiam um fluxo contínuo e se destacavam ainda mais quando a onda de pessoas ia se afastando. Havia momentos em que dominava, quase sozinha, a risada longa, eufórica, variada, aquela risada de claque. Uma risada solta, sozinha, perdida numa praça cinzenta, suja, quente, onde nada parece engraçado. Risadas que se repetem, marcando o tempo como um relógio com alarme de risos. Risadas que parecem debochar da pressa e da rotina da multidão que passa.

... e aí a professora perguntou pro Joãozinho...”, continuava Risadinha.
Mas é de foder, é de foder! Essa é muito boa! Rá, rá, rá”, gritou o barbudo, se sacudindo de tanto rir.
Ele tá de sacanagem! Ele já tá provocando! Eu falei com educação! Mas também vem esse aí lá da puta que o pariu pra botar essas merdas dessas piadas o dia inteiro na nossa cabeça!”, reclamou o pipoqueiro.
Tô trabalhando! Aqui é praça, é público, quem tiver incomodado que se mude! Você solta uma fumaceira danada aí com essa pipoca gordurenta e a gente atura!”, respondeu o vendedor de cedês.
Mas o problema é esse cachaceiro desgraçado aí! Esse vagabundo Risadinha aí, que passa horas e horas rindo e xingando!”, se intrometeu o jornaleiro, já a uns três passos da sua banca, apontando pro barbudo.
Rá, rá, rá. Mas essa é boa! Repete, repete, seu filha da puta! Rá, rá, rá”, berrava o barbudo, se aproximando da barraquinha de cedês.
Risadinha, segura sua onda, Risadinha! Você tá demais hoje mesmo!”, disse o vendedor de cedês.
... daí em diante o bêbado passou a evitar a primeira dose...”, Risadinha continuou.
Mas que putaria é essa de me chamar disso?! Vai rir na minha cara!”, berrou o barbudo, erguendo a cabeça e o braço direito.
Rá, rá, rá, rá...”, gargalhava risadinha entre uma piada e outra.
Mas você acha que vai ficar nessa provocação e eu não vou fazer nada?!”, disse o barbudo, se aproximando ainda mais da barraquinha de cedês.
Ih, agora Risadinha surtou! Acabou a graça, cachaceiro?!”, provocou o pipoqueiro.
... e aí a mulher falou: já foi beber, safado, já foi beber...”, contava Risadinha.
Puta que o pariu! Mas que filho da puta! Tá achando que eu tô de brincadeira!”, falou o barbudo, enfurecido, mais perto da barraquinha de cedês.
Rá, rá, rá...”, gargalhava a plateia.
Seu pilantra, filho da puta! Mas você vai aprender a calar essa porra dessa boca!”, gritou o barbudo, atacando Risadinha.

O barbudo empurrou Risadinha - uma lixeira grande, de plástico, com rodinhas, adaptada com alto-falante - e, desequilibrado, caiu por cima dela. O plástico estalou e quebrou, e o som das risadas foi interrompido.

O pipoqueiro, o jornaleiro e outros vendedores se aproximaram.

Seu bêbado filho da puta!”, disse o vendedor de cedês, dono de Risadinha, enquanto tirava com agressividade o barbudo de cima do seu alto-falante. Empurrado, o barbudo caiu no chão, de lado, e não fez força pra levantar.

Você viu o que você fez, desgraçado!”, gritou o vendedor de cedês.

O barbudo ficou quieto, de cabeça baixa, se ajeitou devagar, permanecendo sentado no chão.

Você destruiu meu alto-falante? Como é que eu vou trabalhar agora? Você destruiu! Destruiu!”, continuou o enfurecido vendedor.

Eu não queria machucar Risadinha, eu não queria machucar risadinha...”, disse o barbudo, balançando a cabeça abaixada e chorando.


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