Em vez de pontes, constroem-se muros. Bauman, sociólogo contemporâneo reconhecido pela profunda análise que desenvolve sobre a fluida pós-modernidade, escreve sobre a construção desses muros.
Em “Modernidade Líquida”, ao discorrer sobre “tempo/espaço”, o sociólogo descreve a cidade dos sonhos de G. Hazeldon - arquiteto inglês estabelecido na África do Sul -, a qual seria uma “versão high tech da aldeia medieval que abriga detrás de seus grossos muros, torres, fossos e pontes levadiças uma aldeia protegida dos riscos e perigos do mundo”.
Qualquer semelhança com nossos condomínios não é mera coincidência: trata-se do mesmo fenômeno. Segundo o arquiteto, a principal questão hoje é a segurança; portanto, nada melhor que morar numa fortaleza segregada do mundo violento por “cercas elétricas de alta voltagem, vigilância eletrônica, barreiras e guardas armados por todos os lados;” e dentro da cidade nada faltará: haverá lojas, igrejas, restaurantes teatros, áreas de lazer, florestas, playgrounds etc. e “há espaço livre suficiente para se acrescentar o que quer que a moda de uma vida decente possa demandar no futuro”. É tudo bem simples: comprando uma casa no Heritage Park (nome da cidade de G. Hazeldon) ou em um supercondomínio da Barra, você viverá em paz e será feliz.
Tornar-se proprietário de uma unidade dentro desses oásis de segurança é a suposta solução para o problema. Mas de onde vem realmente a insegurança que sentimos? A solução é mesmo morar numa fortaleza, cujo acesso só é permitido a alguns? Não seria isso a redução do cidadão a mero condômino?
A “paz sem voz não é paz, é medo”. Cidadania diz respeito aos direitos políticos que permitem ao cidadão - habitante da cidade (do latim civitas) - intervir na direção do Estado, a fazer uso da voz, participando de modo direto ou indireto na formação do governo e em sua gestão. A palavra “política” origina-se do grego antigo “politeía”, que tratava dos procedimentos relativos à polis, cidade-estado da Grécia antiga.
Como já alertado por muitos, a propagação do medo - fomentada pelas notícias sobre o perigo em cada esquina - é proporcional ao vertiginoso crescimento da indústria da vigilância. Será que a causa do nosso problema é mesmo a sempre acusada violência? A violência não seria uma conseqüência, um sintoma? Toda a insegurança que sentimos vem da violência?
Ao acreditar que o problema é a insegurança (cujas causas não são analisadas com clareza pela maior parte das pessoas) e, assim, aceitar a “solução” proposta, que consiste em se proteger do mundo segregando-se voluntariamente em um “espaço seguro”, o papel de cidadão é substituído pelo de condômino. Nesse contexto, a resolução do problema, que deveria advir da política (esfera pública) - atentando-se para as verdadeiras causas da insegurança -, passa à esfera individual: basta comprar um espaço seguro. Ao adquirir um apartamento numa fortaleza posso acabar com a MINHA insegurança. (Mas a insegurança não seria NOSSA?). Os condomínios-fortaleza são uma pseudo-solução individual para um problema coletivo.
Reduzir o problema a um de seus sintomas é negar a realidade e, desta forma, obstruir o caminho que deve ser tomado para alcançar uma verdadeira mudança. O discurso de que a violência é a causa de todos os males apenas aprofunda o abismo da segregação e reforça a pseudo-solução individualista. A solução eficaz não pode ser comprada; ela não está à venda no supermercado ou no shopping: a solução está além dos muros e fossos dos condomínios; a solução é construir pontes, tarefa que só pode ser executada por cidadãos.
A primeira foto (acima) decompõe-se em duas imagens, que representam, respectivamente, a segregação voluntária (condomínios de luxo) e segregação compulsória (favela):
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