Não
sei qual é o melhor modo de medir a redução das desigualdades, de
verificar como estamos lidando com os abismos históricos. Mas penso
que a capacidade de falar, de se expressar e, mais importante, de
narrar, contar sua visão, e ser ouvido, é um bom critério. Se
houver só uma história, reproduzida por todos, é sinal de que
apenas um narrador prevaleceu, volume máximo, outras vozes abafadas,
caladas, esquecidas, inaudíveis.
Mesmo
que o narrador branco, rico e velho continue falando bastante
e
alto nas TVs,
rádios, grandes empresas, gabinetes, jornais etc.,
um pancadão (ou
batuquejê)
toma força, ganha volume, e
interrompe
o discurso do coroa. No meio da prosa monótona, burocrática,
arcaica, ouvimos música, poesia, vemos
dança, arte e
outras
versões da história, contadas como “o
avesso do mesmo lugar”.
“Favela,
pega a visão” (e
a
bateria vira de samba pra funk), fala a Mangueira. Canta,
dança, atravessa a avenida, a cidade, os
noticiários.
Não é de hoje que vozes se destacam, mas de 2015 pra cá, a Estação
Primeira se fez ouvir quando c(a/o)ntou “Brasis”, “a história
que a história não conta”, com “rosto negro, sangue índio,
corpo de mulher”. Se agora (2020) os versos trouxeram o evangelho
segundo o pessoal do buraco quente, há 5
anos eles
avisaram que “a nossa Maria não é brincadeira/ É raça, é
fibra, é jequitibá!”.
Como
no “Auto da compadecida” (A. Suassuna), a Mangueira,
em
2015, chama a mulher, “rainha”, “guerreira”, “vovó”,
“mãe
do samba que
dança pro seu orixá”, citando
D.
Neuma e D. Zica. Como sempre, dá
um
salve pras
baianas,
saravá! Tá na história do samba: as baianas lá
da
origem, como as ganhadeiras, que lavaram a alma da Viradouro
este ano.
Nos
anos seguintes, até o “Jesus da Gente”,
cantou
sobre M. Bethânia, sincretismo
religioso, avisou que “com ou sem dinheiro” ia brincar e, ainda,
deu
a letra sobre o
“sangue retinto pisado / atrás do herói emoldurado.” Não é só
uma voz. É pegar a narrativa, é falar dos seus “heróis dos
barracões”, “um país de Lecis, Jamelões”. “Brasil, meu
nego,” ouça o que a Mangueira tem pra contar…
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