sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Ocupação das escolas públicas (trecho do artigo)

Trecho do artigo (TCC da pós-graduação em Direito Público):


De acordo com as informações obtidas nos principais veículos de comunicação1, verifica-se que, a partir do segundo semestre de 2015, estudantes secundaristas da rede pública de ensino deram início à ocupação das escolas.
Em São Paulo, onde começou o aludido movimento, os alunos, a princípio, manifestaram-se contra o que se chamou de “reorganização escolar”, plano que o Poder Executivo do estado paulista pretendia implementar, com mudanças radicais no ensino público, remanejando alunos e funcionários, de modo a reduzir o número de colégios, concentrando em determinados locais as unidades de educação, com o consequente fechamento de diversas escolas.
O projeto do Governador Geraldo Alckmin (PSDB/SP) objetivava transferir trezentos mil alunos e fechar noventa e dois colégios. Tais medidas, evidentemente, dificultariam o acesso de milhares de estudantes à rede de ensino público e gratuito do Estado.
O movimento dos alunos de São Paulo se inspirou na experiência dos secundaristas chilenos, os quais ocuparam centenas de escolas no ano de 2006, a fim de reivindicar passe livre e melhoria da educação pública. A manifestação no Chile, que ficou conhecida como “revolução dos pinguins” (referência ao uniforme escolar no país), levou à criação do manual “como ocupar um colégio?”, que orientou a manifestação dos estudantes brasileiros.2
Inicialmente, os alunos paulistas, acompanhados de seus pais e professores, protestaram contra o plano do governo estadual por meio de passeatas. No entanto, como as manifestações não estavam atingindo o resultado esperado, já que o governo continuou distante do diálogo, os secundaristas decidiram ocupar escolas, seguindo as instruções da cartilha chilena.
Percebe-se que a ocupação das escolas é uma estratégia de mobilização que surge como alternativa às passeatas e manifestações em ruas e praças. Tendo em vista que os meios de protestos mais tradicionais se mostraram ineficazes e até perigosos - diante da truculência da polícia -, os alunos decidiram ocupar as unidades de ensino, de modo pacífico.
É importante ressaltar que surgiram na mídia diferentes descrições sobre o protesto objeto do presente trabalho. Há reportagens e editoriais que afirmam que a ocupação das escolas foi controlada por movimentos sociais e sindicatos de professores da rede pública.3
Todavia, em ampla pesquisa em diversos meios de comunicação, prevalece a versão de que o corpo discente teria o protagonismo na organização das manifestações, não sendo demonstradas provas ou mesmo evidências de que houve manipulação dos alunos por outros grupos. Além disso, sem afastar do tema, é interessante mencionar que as grandes empresas da mídia nacional não são bons exemplos de imparcialidade e isenção, como salientado no artigo “Quando a mídia toma partido”.4
As narrativas construídas na mídia muitas vezes se afastam dos fatos, como, por exemplo, na criminalização do Funk, que deixaram os cadernos de cultura passando para os de polícia. O movimento Funk, da periferia carioca foi equivocadamente associado ao que os grandes jornais chamaram-se “arrastão”, com hordas de assaltantes. Apenas muitos anos depois é que a verdade veio à tona, não houve vítimas, não houve feridos, apenas furto de uma tolha e de um par de sandálias5. Da mesma forma, a maior parte das empresas de mídia sustenta discurso criminalizante em relação à ocupação das escolas.
No que se refere ao Estado do Rio de Janeiro, o movimento dos alunos começou no primeiro semestre de 2016, inspirado na divulgação das ocupações em São Paulo, diante de um quadro de crise, com atraso no pagamento de professores e funcionários, com ampla adesão à greve e dificuldade de diálogo com o Poder Público.6
Constata-se que nos dois estados - São Paulo e Rio de Janeiro -, os manifestantes reivindicavam a melhoria na prestação do serviço público, apresentando propostas de valorização do ensino e de maior participação do corpo discente na administração das unidades.
Não há como negar que o modelo neoliberal vem atingindo direitos, como afirma MARQUES NETO (2004, p. 104):
... o assim denominado modelo neoliberal, que se vem impondo avassaladoramente em escala mundial, tende a um esvaziamento dos direitos que gradativamente se foram incorporando ao patrimônio jurídico dos sujeitos, considerados tanto sob o prisma individual quanto coletivo; e, nesse sentido, se movimenta em sentido contrário à tendência de acumulação de direitos e ampliação de espaços de reivindicação e de exercício de cidadania, que caracterizou estes últimos dois séculos no ocidente.
Diante das medidas anunciadas pelo governo estadual de São Paulo bem como da desordem do ensino público no Rio de Janeiro, a mobilização dos estudantes surgiu como resposta, em uma clara tentativa de resguardar direitos que vêm sendo diluídos por políticas de cortes e crescentes privatização e precarização de serviços essenciais e prestações positivas do Estado, as quais se relacionam à promoção da igualdade material (direitos fundamentais de segunda dimensão)7.

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1 Reportagem do G1. Disponível em < http://g1.globo.com/sao-paulo/escolas-ocupadas/noticia/2015/12/virada-ocupacao-celebra-suspensao-de-reorganizacao-de-escolas-em-sp.html>. Acesso: 1º setembro. 2016. Reportagem da Agência Brasil – EBC. Disponível em . Acesso: 30 agosto. 2016. Reportagem do El País. Disponível em . Acesso 31 agosto. 2016.
2Reportagem da Folha de São Paulo. Disponível em . Acesso: 1º outubro. 2016.
3Opinião publicada Revista Época. Disponível em . Acesso: 12 outubro. 2016.
4Artigo acadêmico de Vera Chaia. Disponível em <http://www.opiniaopublica.ufmg.br/emdebate/SETEMBRO_1.pdf#page=22>. Acesso: 12 outubro. 2016.
5Janaína Medeiros. Funk Carioca: crime ou cultura. O som dá medo. E prazer.pág. 54.1 ed. São Paulo. Editora Terceiro Nome, 2006
6Reportagem do El País. Disponível em . Acesso: 1º outubro. 2016.

7Daniel Sarmento afirma: “As Constituições do México (1917) e de Weimar (1919) trazem em seu bojo novos direitos que demandam uma contundente ação estatal para sua implementação concreta, a rigor destinados a trazer consideráveis melhorias nas condições materiais de vida da população em geral, notadamente da classe trabalhadora. Fala-se em direito à saúde, à moradia, à alimentação, à educação, à previdência etc. Surge um novíssimo ramo do Direito, voltado a compensar, no plano jurídico, o natural desequilíbrio travado, no plano fático, entre o capital e o trabalho. ODireito do Trabalho, assim, emerge como um valioso instrumental vocacionado a agregar valores éticos ao capitalismo, humanizando, dessa forma, as até então tormentosas relações jus laborais. No cenário jurídico em geral, granjeia destaque a gestação de normas de ordem pública destinadas a limitar a autonomia de vontade das partes em prol dos interesses da coletividade.” SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2ª Edição, Rio de Janeiro : Editora Lumen Juris, 2006, p. 19.


Em breve publicarei o artigo completo, no qual se sustenta a prevalência das normas constitucionais, razão pela qual as ocupações devem ser respeitadas.

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