O
filme
“Coringa” (Todd
Phillips,
2019)
começa
mostrando
Arthur
Fleck,
que
sofre com
gargalhadas,
dissonantes
dos
seus sentimentos, e
sobre
as quais não tem controle.
Explicadas
como consequência de uma condição médica num
cartão que Arthur entrega a
seus interlocutores, suas
risadas são incômodas
principalmente para si mesmo, que
passa por
dificuldades
em relação ao emprego e ao
serviço público e gratuito onde
recebe tratamento.
Lembrando
“Alice no País das
Maravilhas” (Lewis Carrol), o riso,
no filme,
é deslocado, como o do Gato
de Cheshire que,
antes de virar um sorriso
sem corpo,
explica à Alice que são
“todos loucos. Eu sou louco. Você é louca.” Na minha leitura
do longa,
as risadas - que se
precipitam fora do lugar e
anacrônicas para
Arthur - desaguarão no
Coringa, cuja loucura lhes
dá espaço e algum
sentido, ainda
que subversivo
e violento.
Como
palhaço ou comediante, os risos de Arthur soam anacrônicos e
tristes, sem ecoar
naqueles que o cercam.
Todavia
são os risos
que acabam criando um corpo (persona) para os
encarnar
e gozar.
O que Fleck não conseguiu
nas profissões,
o Coringa encontra
na subversão, já sem
se preocupar com o riso dos
outros.
Se
Arthur
era uma vítima (paciente) sem razões para sorrir, o
Coringa torna-se agente do
caos, e solta
gargalhadas, sem se
constranger, expressando seu
sentimento de alegria ao agir (reagir) com violência. Em
vez de implodir, ele explode; sem medo
ou vergonha,
ele dança e
se diverte no
caos; seu
riso
agora vem
de dentro e
ecoa,
violento
e destrutivo,
entre os marginalizados.
Arthur
é ridicularizado
ao se
tornar uma piada. Já
o Coringa conta
suas próprias “piadas”,
agressivas e fatais.
No início,
opostas
aos sentimentos do
“paciente” sob controle,
suas
risadas acabam
se transformando em manifestações coerentes com o interior
da
personagem descontrolada.
As gargalhadas
perturbadoras persistem,
porém o incômodo se desloca do
protagonista para seus
interlocutores. O algoz
fantasiado confessa
seus crimes
e ri,
loucamente. A plateia se
divide, uns com medo, outros com raiva. Agora é a sua vez de rir, e
ele gargalha.
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